A questão racial no Brasil: novos temas, objetos e agendas de pesquisa

Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí

Resumo


O que mudou na agenda das relações raciais no Brasil? O que de novidade há na academia brasileira? Essas questões são norteadoras deste dossiê intitulado A questão racial no Brasil: novos temas, objetos e agendas de pesquisa. Tecnologias de comunicação e informação, representação política, genocídio negro e interseccionalidade são alguns dos temas que marcam a novidade no campo das relações raciais na contemporaneidade. Neste dossiê, há artigos que trazem resultados de investigações de jovens pesquisadores de diferentes universidades brasileiras. Trata-se de estudos realizados, na última década, nos programas de mestrado e doutorado de importantes estabelecimentos de ensino do país.

O campo investigativo sobre a temática racial tem se ampliado nos últimos anos, sobretudo devido à inserção de novos (as) pesquisadores (as) em programas de pós-graduação por todo o país. Importante sublinhar que essa reconfiguração do corpo discente e docente nas universidades públicas e privadas tem influenciado também em reivindicações de novas temáticas de pesquisa. Por isso, o presente dossiê traz contribuições de intelectuais negras e negros que estudam a questão racial no contexto brasileiro contemporâneo.

 O primeiro artigo, que abre a presente reunião, é de Wescrey Portes Pereira, que estuda política e desigualdades raciais no Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Preocupado com as causas da sub-representação dos negros no parlamento, o pesquisador, em diálogo com a ainda escassa produção acadêmica sobre o assunto, revela um campo de pesquisa emergente que precisa ser mais explorado pelas ciências sociais brasileiras. Em particular, nota a importância de estabelecer diálogo entre as aquisições dos estudos sobre desigualdades raciais em termos de renda e acesso educacional ao entendimento do sistema político brasileiro. Pereira chama a atenção justamente para o ponto nevrálgico do processo, qual seja o financiamento de campanhas e sua relação com o sucesso ou fracasso na competição eleitoral, segundo a cor dos candidatos e das candidatas.

Logo em seguida, vem o artigo de Joyce Aquino Alves, que é resultante de sua pesquisa de doutorado realizada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Trata-se de trabalho que investiga a construção da agenda política do genocídio da população negra entre os agentes civis na cidade de Recife. A autora se debruça sobre o uso do termo genocídio nos movimentos sociais, em contraste com a literatura acadêmica. Afirma a autora que a produção das ciências sociais sobre o tema aumentou e tem associado a terminologia à violência letal contra pretos e pardos, diferentemente do ativismo, que apresenta uma concepção mais ampla e processual do que seja o genocídio negro. Em que contextos se insere a questão do genocídio e qual a real utilidade desse conceito? Ou ainda: quais as diferenças entre os usos atuais e sua formulação pioneira em Abdias do Nascimento? Qual a relevância para tratar de casos concretos na atualidade, especialmente no que toca à realidade bárbara de mortes violentas entre jovens negros, pobres e periféricos no Brasil? Essas são questões enfrentadas pela autora que, associada à pesquisa empírica na cidade nordestina, ajuda a qualificar o debate, descentralizando territorialmente o campo de pesquisa, majoritariamente localizado na região centro-sul. Ao analisar os discursos dos ativistas pernambucanos engajados na luta contra o genocídio da população negra, Joyce Aquino ressalta o caráter não violento do ativismo em contraste com sua reivindicação, a luta contra a violência policial e mortalidade, seja pela agência ativa do Estado, seja por sua incapacidade de assegurar a vida das populações mais vulneráveis.

Nesse contexto, que dizer dessa nova geração de ativistas no mundo da internet que influenciam nossas formas de pensar, nossos comportamentos e nossas sensibilidades? Como as jovens feministas negras têm se apropriado do ativismo digital? Quais as suas estratégias, discursos e plataformas de ação? Que mudanças tecnológicas e sociais garantiram às gerações ativistas de estratos sociais mais pobres o acesso ao mundo do ativismo digital? Essas são algumas das questões desenvolvidas pela pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) Dulci Lima. Depois de um rico diálogo com a produção acadêmica especializada, seja a que caracteriza o histórico do feminismo negro no Brasil, seja a que mostra a nova fase da participação política dessas mulheres no mundo digital, a autora faz uma excelente exposição dos meios de compartilhamento e armazenamento de informações em que se movem as feministas negras brasileiras. As múltiplas possibilidades oferecidas pelas tecnologias da informação, além da cultura política ativista no Brasil que envolve o antirracismo e o feminismo, formaram um solo fértil para a atuação dessas jovens, que passaram a praticar o ciberfeminismo, com forte crítica aos padrões dominantes euro-ocidentais, brancos e heteronormativos. Dedicada não apenas aos discursos, mas, sobretudo, às ferramentas por meio das quais essas mulheres vocalizam suas demandas, a autora apresenta um sofisticado, atual e instigante trabalho, que envolve temas centrais nos debates de hoje, quais sejam raça, gênero, sexualidade, geração e novas tecnologias de comunicação.

As ações afirmativas causaram expressiva mudança no perfil universitário dos últimos anos. Esse impacto foi ainda sentido nas formas como as entidades negras se reconfiguraram. Com esse tema em mãos a pesquisadora Stephanie Lima, da UNICAMP, investigou as estratégias, práticas e discursos dessa nova juventude que tem tematizado, em perspectiva interseccional, as categorias raça, gênero e sexualidade. As novas mobilizações e ações coletivas no chamado “movimento universitário” têm indicado o sentido da cultura política de um segmento social brasileiro mais escolarizado, podendo ser, por isso, expressão de transformações sociais vindouras. Mostra a pesquisadora como é o tornar-se negro no novo contexto universitário do país. Agentes que promovem essas novas sensibilidades e sua agenda na estrutura acadêmica são objeto de investigação desse artigo. 

O dossiê também conta com três resenhas. A primeira delas é de Paulo Ramos, pesquisador da Universidade de São Paulo, que faz uma releitura do livro O genocídio do negro brasileiro. A resenha é oportuna porque em 2018 completaram-se 40 anos da referida obra. Ademais, sublinhe-se não apenas a importância de Abdias do Nascimento, ativista negro brasileiro internacionalmente reconhecido, mas também a relevância histórica desse livro que se tornou emblema contra o paradigma intelectual, político e cultural da mestiçagem, mostrando que este não seria solução harmônica nos trópicos, mas o seu inverso: apagamento demográfico e cultural dos negros e sua descendência. Na resenha o autor esclarece a ideia de genocídio, tão em voga na linguagem política civil da atualidade, contudo muito distinta daquela elaborada por Nascimento. Lembra-nos Ramos que, para Abdias do Nascimento, genocídio é processo, marcado pela lógica do embranquecimento demográfico, cultural e até biológico, enquanto, no presente, genocídio é entendido como ação, ato, prática, que envolvem a destruição física por meio da violência letal.

Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro, livro escrito pelo professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Deivison Faustino, foi resenhado por Lourival Aguiar. O texto do pesquisador ressalta a trajetória de Franz Fanon, da Martinica à Argélia, passando pela França, onde estudou e trabalhou na área da psiquiatria. Além do itinerário pessoal e político, a resenha mostra o pensamento de Fanon em contraste com outras tradições intelectuais, como o movimento de negritude. Além das divergências com o movimento intelectual francófono, Aguiar, em sua síntese, mostra o esforço de Fanon em atrelar o colonialismo, a psiquiatria e o marxismo. O trabalho de Aguiar faz jus ao belo livro de Faustino e é editado por Marciano Ventura.

Por fim, este dossiê conta com o trabalho de Maiah Lunas de Oliveira, da Universidade Federal Fluminense, que escreveu sobre o recém-lançado A cor do amor: características raciais, estigma e socialização em famílias negras brasileiras, de Elizabeth Hordge-Freeman, professora da University South Florida. Seu livro, publicado em português pela EDUFSCAR, traz resultados do estudo realizado na cidade de Salvador, onde a autora desenvolveu sua pesquisa enquanto fazia intercâmbio na Universidade Federal da Bahia.


Palavras-chave


A questão racial no Brasil

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DOI: https://doi.org/10.26694/rcp.issn.2317-3254.v8e1.2019.p1-106

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ISSN 2317-3254