A resisistência Guarani contra a barbárie da "Civilização": a busca pelo Tekoa Porã

A RESISTÊNCIA GUARANI CONTRA A BARBÁRIE DA "CIVILIZAÇÃO": A BUSCA PELO TEKOA PORÃ

GUARANI RESISTENCE AGAISNT THE BARBARISM OF "CIVILIZATION": THE SEARCH FOR TEKOA PORÃ

Jessica Aparecida Corrêa*

David Karaí Popygua**

Bernadete Aparecida C. Castro***




1 Introdução

A abordagem está embasada na geografia histórica a contrapelo, e isso significa que a leitura da assim chamada "Guerra Guaranítica", a ser apresentada no artigo, tem por interpretação fundamental o fato de que a guerra travada, em meados do século XVIII, na colônia luso-americana, foi desencadeada pelas Coroas ibéricas e não pelo povo Guarani.

A "Guerra Guaranítica" que, nos marcos oficiais, ocorreu entre os anos de 1753–1756 revelou a capacidade de resistência dos Guarani, apoiada pelos Jesuítas das Missões do Paraguai1, em desafiar Portugal e Espanha contra as permutas territoriais do acordo que ficou conhecido na História Colonial como Tratado de Madri, firmado em 13 de janeiro de 1750, que fora malogrado com o levante indígena.

A Guerra ocorreu na região correspondente à Capitania do Rio Grande de São Pedro (fundada em 1737, hoje o atual estado brasileiro do Rio Grande do Sul), o conflito marcou a segunda metade do século XVIII e girava em torno da disputa pelos territórios da Colônia do Sacramento (fundada em 1680) e dos Sete Povos das Missões (fundados pelos jesuítas espanhóis a partir de 1641). Além disso, o domínio do escoadouro do Rio da Prata forjou a problemática geopolítica que esteve relacionada com a disputa pela fronteira das Coroas ibéricas no extremo sul do continente.

O contexto geopolítico do acordo firmado pelas Coroas ibéricas tinha por interesse resolver a cobiça pelos domínios dos territórios coloniais na América do Sul e garantir a posse das terras produtivas. O Tratado de Madri significou um acordo que consistiu em entregar e reconhecer oficialmente os territórios coloniais já ocupados; o Tratado tinha por finalidade oficializar margens fluviais, marítimas e terrestres, definindo os limites dos poderes de ambas as coroas.

Na execução dos acordos das negociações do Tratado de Madri, ficava, de um lado, a condição de os lusos cederem a Colônia do Sacramento, que, desde a sua fundação, em 1680, impedia o controle total dos castelhanos sobre a Bacia Platina. Em troca, ficariam os portugueses com o território dos Sete Povos das Missões, cujo domínio jesuítico espanhol e a presença dos indígenas Guarani organizados2 dificultavam o avanço dos portugueses para o interior da colônia luso-brasileira.

No contexto das disputas, a liderança de Jekupe Aju (Sepé Tiaraju) deu voz à resistência guaranítica contra a entrega dos Sete Povos das Missões. A rememoração da luta de Jekupe Aju abre a possibilidade para resgatarmos as histórias das lutas indígenas no Brasil e reeinvindicá-las no presente, de modo, que a perspectiva tenha por baliza a consciência e a prática crítica da tradição dos oprimidos na luta pela emancipação contra os opressores (BENJAMIN, 2012).

O texto apresentado é parte do resultado da união dos autores para aprofundar os estudos e fortalecer a luta pelo território indígena, em especial a luta dos Guarani. O ponto de encontro foi a interrogação lançada por David Karai no Fórum Tekoa Porã "Quem aqui já ouviu falar da Guerra Guaranítica?"3

A argumentação de David Karaí é o núcleo principal do texto, as referências bibliográficas, os comentários e as figuras são mediações para nos ajudar a expor o contexto histórico e geográfico estudado.

Para começar, vamos trazer à luz o histórico personagem Jekupe Aju (Sepé Tiaraju) na rememoração da resistência guaranítica contra a violência bélica da colonização europeia no século XVIII.

2 Rememoração da liderança Guarani Jekupe Aju (Sepé Tiaraju)

Nas negociações que antecederam o ataque aos Sete Povos das Missões, em 1756, Jekupe Aju se destacou, pois, além de ter forte respaldo entre os indígenas das estâncias jesuíticas, sabia ler e escrever guarani, português e espanhol. A persuasão de sua liderança contra os prejuízos do Tratado de Madri (1750) foi relatada nos documentos da época4. Para derrubar a resistência guaranítica nos Sete Povos, as tropas perseguiram Jekupe Aju e o assassinaram em 7 de fevereiro de 1756.

A documentação da época colonial mostra com detalhes as atrocidades sofridas pelo líder Guarani, a exemplo do que foi narrado pelo padre Thadeo Henis, em suas Efemerides de La Guerra de los Guaranies, descrito por Golin (2014, p. 151–152): "queimaram [Jekupe Aju] com pólvora [...] e o martirizaram de outras maneiras". O golpe final foi o tiro disparado pelo governador de Montevidéu José Joaquim Viana. Os relatos revelam que o corpo fora decaptado e a cabeça foi levada pelo exército espanhol e acomodada com sal para que pudesse preservar e servir de prova da morte do líder indígena.

O assassinato de Jekupe pode ser entendido como o grande estopim do conflito chamado de "Guerra Guaranítica", pois, ao mesmo tempo em que o fato encerra os períodos de negociações entre os exércitos ibéricos versus indígenas e jesuítas, o assassinato da liderança Guarani é o pontapé fatal para o enfrentamento direto entre europeus e os indígenas das Missões, pois, no dia 10 de fevereiro de 1756, após três dias em que assassinaram a grande liderança Guarani, os exércitos ibéricos, em nome das Coroas invadiram o povoado de São Miguel e mataram mais de 1.600 pessoas. Essa carnificina do período colonial ficou conhecida como "Batalha de Caiboaté".

Mapa 1O território da resistência dos Guarani (1753–1756)
O território da resistência dos Guarani

Fonte: Adaptado de Golin (2014).

A resistência guaranítica utilizou como estratégia inicial o impedimento dos técnicos e oficiais das comissões nos terrenos a serem demarcados. As expedições demarcatórias foram previstas no Tratado de Madri e estavam incubidas de levantar informações dos terrenos para balizar os cálculos da linha da fronteira entre os territórios coloniais.

As expedições tinham a tarefa de realizar o verdadeiro inquérito das terras coloniais e garantir a posse dos Estados absolutistas ibéricos. Os técnicos europeus esperavam a possibilidade da resistência indígena, portanto tinham oficialmente a permissão de fazer o uso da violência e do massacre contra aqueles que porventura se rebelassem contra as disposições do acordo de limites.

No Mapa 1, "O território da resistência dos Guarani (1753–1756)"5, destacamos os seguintes elementos:

  1. a área do assassinato do líder Jekupe Aju, em cor preta, nas proximidades de Caiboaté (atual cidade de São Gabriel/RS). O local é o ponto geoestratégico central do massacre ocorrido em 1756 e é caracterizado como a "porta de entrada" das tropas ibéricas nos Sete Povos das Missões;
  2. em relação à ação das tropas, o destaque é para o posicionamento em "U" da frente invasora. A Leste, a tropa portuguesa (linhas tracejadas em cor preta e linha contínua verde) e, a Oeste, a tropa espanhola (linhas vermelhas). A estratégia foi cercar os Sete Povos pela entrada de São Miguel, acima do Rio Ibicuí;
  3. em especial, apontamos a frente de resistência indígena na margem superior do Rio Jacuí. Nesse ponto, a linha de frente Guarani (linha de cor roxa, com setas para baixo) resistia ao avanço das tropas ibéricas e dos técnicos que visavam à demarcação da fronteira e ao reconhecimento dos terrenos estipulado no Tratado. A posição de defesa indígena repercutiu de maneira vitoriosa no ano de 1754 e malogrou o Tratado de Madri, levando a prorrogação da demarcação das fronteiras entre as Coroas ibéricas. O declínio final do tratado foi no ano de 1761, com o Tratado do Pardo;
  4. por último, destacamos a referência ao Forte Jesus, Maria, José do Rio Pardo. Nesse ponto, os guerreiros indígenas liderados por Jekupe Aju, no ano de 1754, sabotaram o Forte e incendiaram o local com o intuito de amedrontrar o contingente militar português para barrar o exército e dificultar o ataque contra as Missões Jesuíticas. O incêndio ao Forte fez crescer a fama da liderança Guarani. Em consequência, o resultado foi a perseguição contra Jekupe Aju até seu assassinato, em 1756. Vale lembrar que a "comemoração" da morte foi festejada entre os colonizadores nas terras coloniais e no além-mar.

A geografia histórica da resistência guaranítica, em meados do século XVIII, evidencia que a luta indígena contra a destruição de seus territórios e modos de vida está ativa desde os primórdios da colonização e permanece até os dias atuais.

3 Sabedoria e resistência com David Karaí Popygua

Para nos aprofundarmos na questão da resistência guaranítica, apresentaremos a transcrição da palestra pública proferida por David Karaí Popygua na ocasião do Fórum Tekoa Porã — Território de direitos: os indígenas no Brasil contemporâneo6. A atividade foi realizada na Universidade de São Paulo/ECA, em junho de 2019. No evento, David decidiu trazer à cena o contexto das lutas indígenas travadas contra o Tratado de Madri e o episódio bélico que ficou conhecido pela historiografia oficial como "Guerra Guaranítica" (1753–1756).

A palestra foi gravada na íntegra, transcrita por Corrêa7 e revisada conjuntamente com o palestrante. O que se pode destacar é a sabedoria e a cosmovisão Guarani presente na fala, que resiste ao tempo e há séculos convive entre nós.

A argumentação de David Karaí compõe o principal momento do artigo, pois nele está contida uma visão crítica da história, onde se pode entender a resistência do povo Guarani frente à colonização. A história oficial buscou ocultar a barbárie e o genocídio dos povos originários praticados pelo colonizador em nome da "saga pela civilização".

"Foi o encontro desses dois povos, né?! Os europeus e o povo Guarani. Primeiro, que eu entendo assim, a gente sempre ouve dos xeramõi8, nossos anciões, que nós Guarani não fazemos a guerra, de que nós Guarani não enfrentamos as coisas com violência, nós buscamos sempre o caminho espiritual, e, aí, esses primeiros contatos entre os portugueses, espanhóis e os Guarani não foram contatos violentos. Os espanhóis daquela época escreveram cartas e eles diziam que os Guarani viam os europeus entrando no território e ficavam tranquilos. Eles iam passando, iam entrando... Por quê? Porque, para nós Guarani, a terra ela tem um dono, que é o Nhanderu, que criou a terra. Só que não é só o ser humano que vive na terra; são vários outras espécies de vida, as plantas, as pedras, os animais... Então tudo isso faz parte da terra. A visão Guarani é tão difícil de um não indígena entender a profundidade do pensamento da liberdade da terra, da terra livre como ela realmente é. Porque os pássaros não pagam pedágio para voar, os peixes não pagam pedágio pra subir um rio ou descer um rio. Os seres humanos criam pedágios, os seres humanos criam lugares, os seres humanos demarcam lugares, se apropriam de espaços, e qual o objetivo de tudo isso? O dinheiro, como o Evandro9 falou, a riqueza. Então por que que eu estou falando disso? Porque, [com] os primeiros contatos com os Guarani, eles perceberam que os Guarani eram incapazes de fazer uma guerra contra eles; tem até uma frase de um espanhol que escreveu assim... o povo inteiro Guarani é incapaz de enfrentar 50 pessoas de outra etnia ou 12 Guaranis não são capazes, não têm coragem de enfrentar um guerreiro de outra etnia... vai vendo onde vai dar isso! (risos). O que acontece: eu tenho me dedicado muito para estudar e entender a nossa forma de resistir nos dias de hoje. O que o Evandro faz é uma forma de resistência muito inspirada na sabedoria dos xiramõi e com estratégia de não precisar da guerra para sobreviver. O jurua10 cria a guerra; não fomos nós que criamos as guerras. Porque o povo Guarani, naquele período da invasão espanhola e portuguesa, já tinha um conhecimento de uma agricultura muito avançada, comparada com os outros povos da região Sul. Ali na região mais ao Sul do continente, Argentina, Paraguai, Sul da Bolívia e Chile. Por que os Guarani já tinham mais conhecimento da agricultura? E outra, os povos do Peru são os Incas né? Eles dominaram até a Polinésia Francesa e saiu dominando tudo, só que dentro da Amazônia eles não entraram... Por quê? Porque lá tinha o povo ali, que nem o nosso parente Huni Kuin11, que sabe bem proteger o território. Eles não se meteram para dentro da Amazônia; ficaram só na parte do Peru que não tinha a Amazônia. E, no Sul, eles tentaram vir e conquistar o território do Sul, onde o povo Guarani era o maior povo, a maior nação indígena. Por que eles não conseguiram, sendo que o povo Guarani não faz a guerra? Qual foi a estratégia de luta dos Guarani? Então, nesse sentido, eu ouvi de historiadores antigos que os Guarani, quando iam pra guerra contra os impérios dos Incas, eles iam com toda a comunidade, iam com as crianças, com os velhos, com as mulheres e todo mundo ia para essa guerra e acabava não tendo essa guerra. E, além disso, os Guarani ainda conseguiram se apropriar de conhecimento dos Incas, que era o milho e a agricultura avançada que eles já tinham. Por isso que o povo Guarani mais ao Sul era o único povo que já tinha a agricultura mais avançada, ou seja, a nossa forma de viver não é fazendo a guerra. Então eu demorei anos para entender que não é com essa luta física que a gente vai conseguir sobreviver no futuro. O que a guerra traz de experiência Olha a Guerra do Paraguai! A população do Paraguai12 foi dizimada, os jovens Guarani, mestiços, crianças de dez anos entraram na guerra. Os soldados brasileiros escreveram cartas que eles tinham que matar essas crianças que se abraçavam nas pernas deles pedindo para sobreviver. A ordem do governo da Argentina e Buenos Aires era para matar até as crianças que estavam no ventre das mulheres. Os soldados brasileiros, argentinos e uruguaios devastaram o Paraguai. 40% do território do Paraguai foi perdido, quase que 70% da população, e a maioria Guarani.Não foi Guerra do Paraguai! Foi um massacre orquestrado pelos argentinos, brasileiros e uruguaios contra o Paraguai. Aquilo foi um massacre! Quando se leva o nome de guerra, sempre querem apontar o derrotado ou aquele que foi massacrado como o culpado pela guerra. Quem já ouviu falar da Guerra Guaranítica aqui? A "Guerra Guaranítica". Vocês acham mesmo que foram os Guarani que criaram essa guerra? O jurua é tão perverso na sua forma de reproduzir a história. Para lavar a mente das pessoas, ele fala "Guerra Guaranítica", como se os Guarani tivessem feito uma guerra. Jamais o jurua deveria usar ou relacionar o nome do povo Guarani com a guerra dessa forma. Isso é um erro histórico que precisa ser corrigido. Nós não fizemos a guerra. O que aconteceu na região Sul do Brasil nas Missões Jesuíticas foi massacre! Porque Portugal e Espanha assinou um tratado, o Tratado de Madri, em 1750. O tratado dividia o território que até então era das Missões Jesuíticas junto com os espanhóis e os padres jesuítas. Na disputa entre Portugal e Espanha, uma parte da Missão Jesuítica ficou para o lado de Portugal, e os portugueses negociaram com o rei da Espanha, para que a parte pertencente às Missões (que estava do lado de Portugal) fosse entregue a Portugal. Por quê? Lá os Guarani tinham aproximadamente 700 mil cabeças de gado, lá os Guarani exportavam couro para a Europa, lá os Guarani produziam violino e violão que exportavam pra Europa. Veja bem, naquele período os Guarani já eram capazes de fazer violino de alta qualidade e violão para exportar para a Europa". (David Karaí Popygua).

Na Figura 1, estão retratados os instrumentos musicais que, segundo o relato de David Karaí, eram produzidos pelos Guarani.

Figura 1 – Instrumentos musicais produzidos pelos Guarani das Missões Jesuítica, no século XVIII13
Instrumentos musicais dos Guarani

Fonte: Golin (1998, p. 340).

Essa figura, que retrata os instrumentos musicais que eram executados pelos índios missioneiros, foi retirada do texto de Tau Golin (1998) "A guerra guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750–1761)", mas a reprodução de Golin foi retirada da obra do historiador jesuíta Guillermo Furlong, publicada em 1969. Ainda sobre a vivência Guarani, continua Popygua:

"Vocês estão entendendo o que é isso? A habilidade do povo Guarani de sobreviver. Por quê? A vivência Guarani nas regiões jesuíticas foram mais de cem anos. Começaram as primeiras Missões em 1609 e foram até o período das últimas grandes guerras naquela região. Ou seja, essa ‘Guerra Guaranítica’ aconteceu cem anos antes da ‘Guerra do Paraguai’. Quando Brasil, Argentina e Uruguai resolveram invadir o Paraguai e dizimar todo mundo era o golpe final que eles queriam dar nos Guarani, ou alguém tem dúvida disso? Porque, no Brasil, na região do Sul, os portugueses já tinham expulsados os Guarani, só que os Guarani resistiram pela mata caminhando, fugindo da guerra. Por isso que nossos avós falam: quando um povo Guarani, uma família, chegava num lugar que tinha alguém, um fazendeiro, alguém que falava que era dono, já fugia dali, já ia para outro lugar. Quando chegava num lugar e tinha presença do jurua que vinha matar, já fugia para outro lugar. Viviam fugindo, nosso povo, da guerra e do confronto. Porque essa não é a nossa estratégia de sobrevivência, tanto é que vários outros povos aterrorizaram a mente dos espanhóis e dos portugueses. Eles tinham medo, porque eram povos que realmente enfrentavam e que tinham êxito na batalha. Mas o povo Guarani era mais do diálogo e de uma diplomacia de conversar e saber dialogar. Então, nas primeiras Missões, foi feito um acordo com o rei da Espanha, e isso tem a ver com o que o Evandro tá falando aqui. Nas primeiras Missões, foi feito um acordo com o rei da Espanha, que era o seguinte: os Guarani entenderam que o rei da Espanha gostava de riqueza e poder e que o modo de vida dos espanhóis na terra era para produzir riqueza. Então, para fazer desse espaço um território sagrado, que nós Guarani chama de Ivy Mbyte, o centro do universo Guarani é exatamente onde foi construído essas Missões. Os Guarani, para protegerem aquele território, não tendo força pra enfrentar Portugal e Espanha para defender aquele território numa guerra, fizeram esse acordo com o rei da Espanha: pagar tributos. Foi isso que os Guarani fizeram. Eles trabalhavam construíam as casas e os templos, tanto é que as Missões que ficavam do lado do Brasil, naquele período de 1753, que foi quando começou essa batalha, era a maior cidade do período colonial. Nem os espanhóis, nem os portugueses tinham conseguido construir uma cidade tão grande quanto o lugar que os Guarani viviam. Por isso que os portugueses e espanhóis fizeram o acordo, onde o rei da Espanha disse para os portugueses: nós precisamos retirar os Guarani de lá e vocês vão e ficam com os lugares de criação de animais, vão ficar com o plantio, com as igrejas, com as catedrais, com as casas. Os portugueses queriam aquela cidade para fazer cidade para eles e expulsar os Guarani para outro lado do Rio Uruguai, para a parte da Espanha. Os Guarani resolveram sair e muitos passaram para o outro lado do Rio Uruguai, só que muitos também resistiram e também resolveram ficar. Esses que ficaram foram dizimados, que foi junto com Jekupe Aju (Sepé Tiaraju). Ele liderou um exército de 1.500 Guarani, que foram todos assassinados por Portugal e Espanha. Essa batalha ficou conhecida como ‘Massacre de Caiboaté’; foi nesse lugar, Rio Grande do Sul. Eram 1.500 guerreiros Guarani, que foram pela voz do Sepé Tiaraju, que, para nós Guarani, se chama Jekupe Aju. Ele era mestiço, e ele ficou ali, porque ele aprendeu estratégia de guerra14. Então ele achou que a guerra ia resolver. Para nós Guarani foi uma experiência também, para saber que a guerra não resolve nada, porque eles todos foram dizimados. Os outros Guarani que fugiram ou foram para um lugar de paz que conseguiam algum acordo viveram. Os que ficaram ali morreram todos! Tanto é que os historiadores falam que não precisavam ter matado todos Guarani; eles podiam ter prendido e mandado embora. Em 1753, tem uma carta15 dos Guarani dizendo que ali eles não acreditavam que o rei da Espanha seria capaz de entregar os Guarani para morrer e que sempre pagaram com seus tributos, sempre trabalharam para Coroa, e que ali se fizeram batizar pelos jesuítas, e que aquele território onde nasceram seus filhos e suas famílias não era lugar que os Guarani estavam dispostos a deixar. E essa carta foi escrita pelos Guarani dizendo: ‘Se for para todos nós morrer aqui e for a vontade de Deus, nós vamos ficar aqui’. E foi isso que aconteceu. Tinham 35 mil Guarani ali, naquela região. Os portugueses e os espanhóis dizimaram toda essa população. Por quê? Porque os Guarani pediram prazo, mandaram uma carta para o governador de Buenos Aires pedindo 1 ano para retirar 700 mil cabeças de gado e 35 mil Guarani. O rei da Espanha e o governador de Buenos Aires deu 1 mês para sair... Então não tinha o que fazer! Então, dentro das Missões dessas regiões, os Guarani eram completamente autônomos. Eles não dependiam da Coroa da colônia para nada. Muito pelo contrário, a colônia dependia dos Guarani para sobreviver, porque os Guarani tinham alimento, não precisavam de hospital, não precisavam de nada disso. Conciliaram o conhecimento dos europeus jesuítas com a cultura Guarani. E hoje uma forma de sobreviver é essa: o que o Evandro tá fazendo de alinhar esses conhecimentos para que o povo continue tendo um modo de vida. Porque no Jaraguá16, para sobreviver no Jaraguá com a nossa cultura, é muito difícil! Não tem espaço para plantar para todo mundo, a água do rio já está poluída, está contaminada, os problemas de saneamento básico são gravíssimos que leva a vida de muitas crianças todos os anos. Então a mortalidade infantil é muito alta... Então, realmente, esse trabalho que o Evandro está realizando é uma forma muito sustentável. Assim, alinhamos os conhecimentos né? E o povo Guarani é assim, de alinhar todos esses conhecimentos, para que continue sobrevivendo. Então sabemos que, independente do governo, o mais cruel dos governos, ele não vai conseguir acabar com nosso povo! Porque sabemos sobreviver dentro desse território. E tem outra questão, naquele período os Guarani eram obrigados a ir para as Missões jesuíticas, todos! Então era uma ordem que não podia ter Guarani fora das Missões, porque se não eram considerados inimigos da Coroa. Eram perseguidos, caçados! E qual foi a estratégia da sobrevivência do povo Guarani? Mandava metade da comunidade para a Missão Jesuítica; a outra ficava escondida no mato. Era uma despedida, que eu ouvi um relato de um Guarani dizendo que os xiramõi falam que era uma despedida, que não ia se ver mais na vida. Porque nunca aqueles que saíram podiam falar onde os outros estavam. E aqueles que foram não se viam mais... Então era uma despedida na vida mesmo essas famílias que iam para Missão e iam com essa missão de ficar lá e nunca falar onde estão as outras famílias Guarani. Foi assim que o nosso povo sobreviveu. Então, disso tudo que eu estou falando, é para ficar muito claro que nós estamos numa luta para a sobrevivência. Só que muitas vezes parece que o jurua não quer fazer uma luta pela sobrevivência, quer acelerar o fim da resistência da sobrevivência da vida. Por que tem tanto desmatamento, com tanto avanço, com tanto progresso e com tanto desenvolvimento? Então isso assusta a gente, porque, no Jaraguá, a gente está tentando fazer daquele pedacinho de terra uma garantia de sobrevivência das futuras gerações do nosso povo. Então, no caso, até o nome desse Fórum ‘Tekoa Porã’, o tekoa, o que significa o tekoa? Tekoa é a nossa vida, é o lugar de reprodução da nossa vida. O que o jurua chama de aldeia, nós falamos tekoa. E porã é esse lugar bom, onde tem uma terra fértil, onde tem e dá para fazer o Bem Viver Guarani, buscar o Tekoa Porã. Então era isso que eu tinha pra falar né?! Essas áreas do Jaraguá, hoje, são 6 tekoa. Era 1 só quando meu avô foi para aquela região, na década de 1950. Antes dele ir pra lá, ele viveu 10 anos numa área de Mata Atlântica que tinha ali na região da cidade Dutra, perto do Autódromo de Interlagos... Ficou lá numa mata fechada 10 anos com outras famílias Guarani. Então aonde tem Mata Atlântica é lugar de refúgio do povo Guarani; aonde não tem mais Mata Atlântica, nem o Guarani, nem os animais e nem a vida consegue se reproduzir da forma que ela é. Se ela se reproduzir é da forma doente que o Evandro falou né?! Que a própria matéria orgânica se transforma em veneno né?! Isso é assustador né?! Imaginar... Então essa é a nossa luta: o Jaraguá, todas essas áreas que têm as retomadas, onde o Evandro está. Eu queria contar só isso... Assim, eu me lembro que eu sonhei com o lugar né?! O Evandro nem estava no Jaraguá ainda [quando] eu sonhei com aquele lugar, e aí fui procurar esse lugar e vi [que] o lugar tinha um capim bem grande. Eu falei: ‘Nossa, aqui dá uma aldeia certinho!’ Depois do Parque, assim, no meio da mata, acho que é esse o lugar! Aí, depois, levei o xeramõi lá. Ele falou: ‘Olha esse lugar aqui. Eu também sonhei com esse lugar!’ Aí passou anos, aí o Evandro apareceu no Jaraguá. Eu falei: ‘Evandro, rapaz tem um lugar bonito e legal! Que dá pra fazer uma tekoa lá; lá vai ser uma tekoa’. Ele foi lá e enfrentou praticamente sozinho, guerreiro mesmo! E está hoje com esse projeto17 lindo lá né?! Então parabéns aí, Evandro, por essa luta, continue nesse caminho... Então é assim a nossa luta pela sobrevivência! Ha’evete!"

4 Considerações finais

A interlocução de David Karaí e a pertinente problematização levantada acerca da "Guerra Guaranítica" questionam o discurso oficial dominante, que sempre buscou legitimar uma versão da história que acusa o oprimido de ser o causador da violência, e, portanto, "oficializa" e "naturaliza" o massacre sofrido pelos Guarani historicamente.

Desse modo, como argumenta David Karaí, a história oficial criminaliza as formas de resistência dos povos originários atribuindo a eles a barbárie, justificando a imposição do chamado "processo civilizatório" trazido pela colonização.

A rememoração da luta de Jekupe Aju traz a possibilidade de nos apropriarmos da história das lutas indígenas no Brasil e reeinvindicá-las como bandeira dos direitos territoriais dos povos originários.

Assim, desde o grande encontro18 realizado por 47 povos indígenas brasileiros, comandado pelo cacique Raoni, ocorrido entre os dias 14 e 17 de janeiro de 2020, na TI Capoto-Jarina/MT, o Manifesto19 elaborado pelos movimentos indígenas e movimentos populares no contexto da rememoração dos 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular no Brasil (1998) e a última grande assembleia Guarani Kaiowá (Aty Guasu), ocorrida em dezembro de 2019, o recado de resistência é inspirador:

Foram séculos de lutas, com sangue derramado de nossos guerreiros! Continuaremos até o fim com nossas lutas e fortalecendo ainda mais a nossa organização! A cada dia que passa conhecemos mais o desafio que teremos que enfrentar. A cada dia que passa, mais forte estaremos, até alcançarmos a paz e o bem-estar de nosso povo conforme nossa cultura e nossa memória! 20

A visão oficial da história da colonização é ponto central para uma crítica teórica aos estudos sobre a formação territorial do Brasil. A história dos "colonizadores" que desfila sobre os despojos dos corpos massacrados de todas as épocas e clamam em nome do "progresso" a glória dos feitos históricos nos abre caminho para lançarmos mão de uma perspectiva histórica engajada. Como ensina a perspectiva benjaminiana da história, os "bens culturais" são "documentos de bárbaries"21.

Os "modelos de progresso" e a destruição da vida são fundamentos da práxis colonizadora contra os povos originários que perduram até os dias atuais. A esse respeito vejamos o que argumenta David Karaí Popygua (2018, p. 2):

o Estado brasileiro ainda é dominado por pessoas que sempre agiram na contramão da vida, por pessoas que têm uma consciência, um pensamento, um coração muito pequeno diante do que realmente representa a terra pra todos nós. Então nós fazemos uma luta pelo reconhecimento do nosso território, mas sempre pensando que o princípio de tudo não é de que nós somos donos da terra, mas que nós fazemos parte dela e que é importante que ela exista, para que mantenha a nossa vida e a vida de todos vocês. Nós, Guarani, somos o povo da Mata Atlântica; nós estamos vendo, ano a ano, os projetos de empreendimento, projeto de progresso, modelo de progresso desse país passando por cima não só das nossas vidas, mas de todo o bioma que compõe o território Guarani. A cada ano são milhares de hectares que são desmatados em nome do progresso. Então isso para nós é muito forte quando se fala da destruição do nosso território, porque sem a terra não existe vida para nós indígenas. A terra, ela é sagrada. A Mata Atlântica é um lugar sagrado, ela é um templo sagrado, e nós Guarani estamos dizendo, desde a invasão do não indígena, que essa terra precisa ser respeitada, que é uma forma de se viver nessa terra. Mas o juruá, ainda hoje, quer crescer esse pensamento de progresso, de destruição, de exploração dos recursos naturais, como se isso não tivesse fim.

Nessa direção, no passado e no presente, a resistência contra a espoliação territorial encabeçada pelos povos indígenas não tem cessado e são inspirações profundas para seguirmos adiante na defesa pela garantia das terras indígenas e de seus modos de vida.

A relação histórica entre as guerras citadas nos séculos XVIII, XIX e a busca atual pelo Teko Porã (o Bem Viver) conectam-se através da permanente resistência pelo modo de vida indígena22. A renegação Guarani da violência nos ensina que a mobilização das guerreiras e guerreiros contra o projeto de "civilização" e "progresso" é a face oculta da geografia histórica colonial.

O continuum das mobilizações passadas com as atuais é a centelha da esperança numa concepção benjaminiana da história. Assim, tomar a posição de reinvindicar uma geografia histórica a contrapelo significa despojar a visão oficial da proclamada "Guerra Guaranítica". Como ressalta David, trata-se de entender o episódio histórico como um massacre contra os Guarani.

Para a cosmovisão Guarani a terra não tem dono, o ser humano não é superior as outras formas de vida; a sua relação com a terra perpassa o entendimento de que o ser humano, a terra, os animais e plantas são imperfeitos, a vida é imperfeita. O jurua tem que entender que a dominação sobre a Mãe Natureza e a ganânca pelo poder arruinam a vida. A ambição de submeter o planeta todo para satisfazer às vaidades e desejos capitalistas é um fracasso23.

Nessa direção, resgatamos a oitava tese de Walter Benjamin (2012, p. 245), que nos ensina que a luta contra o massacre e a barbárie do "progresso" começa por entendermos a tradição da resistência dos oprimidos:

A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" (Ausnahmezustand) em que vivemos é a regra. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a esse ensinamento. Perceberemos, assim, que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; e com isso nossa posição ficará melhor na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica – o assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX "ainda" sejam posíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história em que se origina é insustentável.

A pertinência da tese benjaminiana, nos anos vinte do século XXI, "não é um assombro filosófico". Ela nos ensina que a história dos colonizadores se revela insustentável. Por isso a concepção histórica deve ter por base a reinvindicação dos povos originários contra a barbárie da "civilização" mantenedora da sociabilidade capitalista. A resistência Guarani na defesa pela TI do Jaraguá é um exemplo da sabedoria dos povos originários que iluminam as forças populares e democráticas contra as tendências fascistas atuais, principalmente no Brasil.

Nossa luta é a cobrança do Estado, da dívida histórica pela retirada do nosso território, mas a gente vai resistir, a gente não vai desistir do nosso modo de vida e aceitar a imposição de passar o resto da vida nesses 1,7 hectare, sem o direito de ensinar para as nossas crianças o plantio e a colheita, o modo de se aprender a lidar com a terra. (POPYGUA apud GONÇALVES, 2017).

A dívida histórica cobrada é conduzida através da resistência na preservação das culturas, línguas e conhecimentos ancestrais, na preservação da narrativa oral, das trasmissões dos saberes e histórias, na rememoração da paz, nas rodas de conversas, nos cantos, nas danças e nos ritos.

O contato que os Guarani estabeleceram com outros povos contribuíram para que esses ampliassem suas referências socioculturais, aumentando as possibilidades de existência. As situações de contato e de conquistas de novos territórios, assimilando traços de grupos diferentes e novos conhecimentos, permitiram o fortalecimento da cultura Guarani e de sua resistência.

Os colonizadores buscam incessavelmente soterrar o passado e as vozes dos oprimidos, ainda mais vigorosamente no século XXI. Como escreve Walter Benjamin, o método com o qual o materialismo histórico rompeu é justamente aquele em que o historiador traz inequivocadamente a empatia com o vencedor. Nas palavras de Benjamin (2012, p. 244),

[...] A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso já diz o suficiente para o materialista histórico. Todos os que até agora venceram participam do cortejo triunfal, que os dominadores de hoje conduzem por sobre os corpos dos que hoje estão prostados no chão.

É preciso superar a interpretação do episódio bélico chamado de "Guerra Guaranítica" e denunciar a ocultação do massacre contra as populações indígenas. Além disso, o Brasil contemporâneo citado por David Karaí revela a permanência da opressão sobre o povo Guarani, descaracterizando sua cultura e ameaçando seus territórios. As aldeias Guarani situadas no Jaraguá na porção norte do município de São Paulo se apresentam como territórios insurgentes, pois estão constantemente ameaçados pela especulação imobiliária.

A esse respeito podemos citar a resistência Guarani da TI Jaraguá contra a Construtora Tenda Negócio Imobiliário S.A, que, no mês de março de 2020, desmatou centenas de árvores da Mata Atlântica da área vizinha cerca de 8 metros das aldeias Ytu, Pyau e Yvy Porã para a construção de um condomínio residencial com 11 torres e 396 apartamentos, num terreno de 8.624,59 m².

De acordo com as lideranças indígenas, o empreendimento não respeitou nem as questões ambientais e nem sociais previstas pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Povos Indígenas, no qual o Brasil é signatário.

A Convenção Internacional garante que as comunidades indígenas sejam consultadas a respeito de empreendimentos que ocorram nas áreas lindantes e protegidas por lei. Para denunciar o desrespeito às regulamentações socioambientais, os indígenas e apoiadores ocuparam o terreno da construtora, com vistas a barrar o dano à sobrevivência da comunidade Guarani do Jaraguá, ao patrimônio ambiental da Mata Atlântica e à vida silvestre, que estão ameaçados de desaparecer.

A prefeitura da cidade de São Paulo não fez o licenciamento ambiental, e, como resposta à mobilização indígena, acionou a justiça estadual pedindo a reintegração de posse da área e mandando ao local a tropa de choque da Polícia Militar.

Conforme disse David Karai Popygua (2020), em entrevista aos apoiadores, no dia 10 de março de 2020, "a gente sabe que a Polícia Militar foi chamada para limpar o crime ambiental da prefeitura e limpar o crime ambiental da construtora, e agora, para que eles passem por bonzinhos da história, a polícia vem até aqui para fazer um trabalho violento para expulsar a nossa comunidade dessa área que nós estamos ocupando e protegendo".

Por fim, para dar força à luta Guarani nos dias de hoje, David Karaí nos diz: "o caminho a percorrer é recontar a história do ponto de vista da resistência indígena para vir à tona todos os documentos que comprovam tantas barbáries contra meu povo24.

Referências

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* Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"/UNESP, campus Rio Claro/SP; mestranda em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo/USP. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP. Membro do GECA (Grupo de Pesquisa e Estudos do Capital FFLCH/DEGEO/USP). E-mail: jessicapcorrea@gmail.com

** POPYGUA, David Karaí. Liderança Guarani Mbya da Terra Indígena do Jaraguá/SP, Presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo (CEPISP), Professor na escola da aldeia Jekupe Amba Arandu TI Jaraguá, São Paulo/SP e atua junto com outras lideranças na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). E-mail: davidguarani@gmail.com

*** CASTRO, Bernadete Aparecida Caprioglio. Doutorado em Antropologia Social; professora aposentada/docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas/UNESP, campus Rio Claro/SP. E-mail: bernadete56@gmail.com.

1 As Missões Jesuíticas Guarani pertenciam à unidade legal da Província Jesuítica do Paraguai subordinada à Coroa espanhola na extremadura da colônia americana. Os povoados indígenas se estendiam em partes onde atualmente se encontram os países Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. Ao todo, a Província Jesuítica era composta por 30 povos reduzidos, sendo 23 localizados a Ocidente do Rio Uruguai e 7 povos localizados a Oriente do mesmo rio. Em particular, estes últimos ganharam evidência devido ao episódio da Guerra Guaranítica (1753–1756). São eles: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio. Atualmente essas áreas correspondem ao estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Os aldeamentos jesuíticos dos trinta Povos das Missões durante o século XVII e até meados do século XVIII se caracterizavam por manter relativa independência política e econômica, com destaque para a horticultura, a criação do gado, o cultivo de erva mate, tabaco, algodão, a pequena produção têxtil, o trabalho artesanal em couro e demais atividades. As reduções se instalavam próximas às ocupações coloniais, pois, como afirmou Beatriz Perrone-Moisés (1992), o aldeamento jesuítico-guarani esteve de acordo com o projeto colonial, sendo a catequização um pilar essencial para a efetivação do projeto.

2 Para conhecer as táticas e detalhes das estratégias de resistência guaraníticas no contexto do Tratado de Madri, indicamos o livro de Lia Quarleri Rebelión y guerra en lãs fronteras del Plata: guaraníes, jesuítas e impérios coloniais (2009).

3 Após o silêncio no auditório da universidade, David constatou surpreso que havia uma pessoa que conhecia a guerra contra os Guarani ocorrida no século XVIII. O encontro dos autores, a partir daí, gerou a amizade e o primeiro passo para o trabalho ora apresentado.

4 Os diários dos Padres Jesuítas e dos Comissários Demarcadores são fontes históricas de grande importância para os estudos da temática. Para isso, consultar o "Diario histórico de la rebelión y guerra de los pueblos guaranís, situados en la costa oriental del río Uruguay, del año 1754", do Padre Tadeo Xavier Henis (HENIS, 2002); e também o livro de Tau Golin (1998) que contém a biografia do coronel português José Custódio de Sá e Faria.

5 Agradecemos a Thiago Oliveira pela ajuda na elaboração do mapa.

6 O evento ocorreu nos dias 5, 6 e 7 de junho de 2019. Realização: ECA (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, coordenação: Profº Dr. Artur Matuck e curadoria: Maria Lucia Brant de Carvalho.

7 A transcrição foi realizada em 30 de setembro de 2019.

8 Anciões que exercem o papel de liderança espiritual.

9 Evandro dos Santos Guarani, liderança indígena da Terra Indígena do Jaraguá/São Paulo proferiu palestra ao lado de David Karaí no dia 07/07/2019 com a seguinte mesa: "O trabalho agroecológico nas comunidades indígenas". Evandro Guarani é uma referência nos trabalhos agroecológicos na TI Jaraguá. Na mesa do evento, apresentou com o Edmilson Gonçalves.

10 A palavra "jurua" significa o não indígena, o colonizador europeu.

11 Referência à liderança indígena da Amazônia Brasileira Ninawá Huni Kuin, que também estava presente no evento e proferiu palestra no dia 05/07/2019.

12 A "Guerra do Paraguai" ocorreu entre os anos de 1864–1870 e foi um grande massacre ocorrido na América do Sul. Tratou-se de uma unidade entre o Brasil, Argentina e Uruguai (chamado de tríplice Aliança) para usurpar bandas territoriais do Paraguai e viabilizar a navegação e escoamento de mercadorias pelo rio Paraguai. A estratégia geopolítica era garantir o acesso ao interior do continente. Em particular, no caso do Brasil, a maior ambição era a absoluta posse da região mato-grossense e das terras. A esse respeito é importante destacar o que diz o pesquisador Eduardo Neumann (2015), em entrevista ao documentário Rio Grande do Sul - terra de índios. O autor ressalta que a população indígena (não somente os Guarani, mas também os Kaigang e Charrua) foi muito ativa nos conflitos entre as fronteiras durante todo o século XVIII, XIX e XX, pois basta lembrar que o atual estado do Rio Grande do Sul foi área de intenso litígio, tal como a "Guerra Guaranítica" e "Guerra do Paraguai". Podemos citar também a Guerra Cisplatina e a Guerra Farroupilha. Em todos os casos, o contingente indígena sempre foi "indispensável". O vídeo pode ser acessado e está disponível no Youtube (ver RIO..., 2015). Uma referência importante é o texto de Mário Maestri (2020) "As feridas da guerra com Paraguai ainda latejam".

13 A figura foi retirada do texto de Tau Golin (1998) "A guerra guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750–1761", mas a reprodução de Golin foi retirada da obra do historiador jesuíta Guillermo Furlong, publicada em 1969.

14 Destacamos que, no contexto da resistência guaranítica contra o enfrentamento das tropas ibéricas, na invasão das Missões, o Jekupe Aju liderou a negociação com os representantes oficiais para impedir a guerra, através de cartas encaminhadas para a Coroa espanhola e para a Companhia de Jesus. Como não houve recuo das tropas, os guerreiros Guarani incendiaram o forte principal da Capitania do Rio Grande de São Pedro, o "Forte Jesus, Maria, José do Rio Pardo" (ver mapa). O intento era afastar a ameaça do exército. O episódio fez aumentar a perseguição contra a liderança Guarani até seu assassinato, em 1756.

15 A respeito das inúmeras cartas escritas pelos Guarani no contexto da guerra e do Tratado de Madri (1750), o pesquisador Bartomeu Melià, em artigo de 2005, traz uma importante discussão sobre os escritos Guarani como fontes documentais da história paraguaia. Em especial, destacamos o material trabalhado com o subtítulo "el Guarani diplomático e insurrecto (1753–1756)". O autor esclarece que as cartas escritas em Guarani podem ser consultadas nos arquivos nacionais de Montevidéu e Buenos Aires. Para mais detalhes, ver o texto "Escritos guaraníes como fuentes documentales de la historia paraguaya", de Bartomeu Melià (2005). Para mais discussões sobre a escrita Guarani e sobre os documentos existentes, indicamos o artigo de Eduardo Neumann (2007) "A escrita dos guaranis nas reduções: usos de funções das formas textuais indígenas século XVIII".

16 A TI (Terra Indígena) Jaraguá é habitada por Guarani, Guarani Mbya e Guarani Ñandeva. A população da aldeia está contabilizada em torno de 586 pessoas, numa área aproximadamente de 2 ha (17.000m²), com predomínio da Mata Atlântica. A TI fica no Parque Estadual do Jaraguá, na Zona Oeste de São Paulo. Ali se encontra o Pico do Jaraguá, que representa o ponto mais alto da cidade, com 1.135 metros de altitude. A aldeia está homologada segundo dados do ISA (Instituto Socioambiental) (TERRA..., 2019). As guerreiras e os guerreiros Guarani do Jaraguá resistem com sabedoria dos cantos e das rezas para manter a chama viva da esperança e da luta pelo Teko Porã. Para maior conhecimento da resisistência dos Guarani no Jaraguá/SP, gostaríamos de indicar o trabalho de Camila Salles de Faria "A integração precária e a resistência indígena na periferia da metrópole" (2008), como também o trabalho de Daniel Calazans Pierre "O perecível e o imperecível: lógica do sensível e corporalidade no pensamento guarani-mbya" (2015).

17 O projeto a que David se refere é o trabalho agroecológico realizado junto com Edmilson Gonçalves: "Projeto Agroecológico e Saneamento Básico em Terra Indígena Guarani M´bya da RMSP" – realizado nos anos de 2017/2018.

18 Para acesso, na íntegra, da reportagem, consultar Borges (2020).

19 Manifesto transcrito por Benedito Prezia (2017, p. 201).

20 Carta final da grande assembleia Guarani Kaiowá (ocorrida em novembro de 2019). Para acesso na íntegra do documento, ver o site do Conselho Indigenista Missionário (ATY..., 2019).

21 Em especial, citamos a obra de Walter Benjamin "Documentos de Cultura: Documentos de Barbárie", com destaque para a parte três da obra "Crítica da violência: crítica do poder" (1986, p. 160).

22 Como nos ensina Davi Karaí: sem Tekoa não há Teko (sem a terra sem a aldeia não há vida); Tekoa é o que o jurua chama em português de "aldeia" o Teko significa vida o "a" na palavra Teko indica lugar, o lugar de se reproduzir o Bem Viver Guarani = Tekoa Porã. O Tekoa Porã é o viver bem com o que é necessário, sem acumular e sem ter desperdício. Coletivizar e compartilhar o excedente entre todos igualmente.

23 A filosofia e a cosmovisão Guarani são comentadas por David Karaí em entrevista aos Jornalistas Livres (UMA CONVERSA..., 2019).

24 Citamos algumas plataformas digitais com documentos, informações e pesquisas sobre a resistência indígena no Brasil: Centro de Trabalho Indigenista (https://trabalhoindigenista.org.br/acervo/biblioteca-digital/); Conselho Indigenista Missionário (https://cimi.org.br/); Instituto Socioambiental (https://www.socioambiental.org/pt-br).

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ISSN 2317-3254