"Sertão acaba. Acaba?": a territorialização do Capital pelo planejamento na Serra do Cabral, Minas Gerais

"SERTÃO ACABA. ACABA?": A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL PELO PLANEJAMENTO NA SERRA DO CABRAL, MINAS GERAIS

"SERTÃO ACABA. ACABA?": THE TERRITORIALIZATION OF THE CAPITAL BY THE PLANNING IN SERRA DO CABRAL, MINAS GERAIS

Suelen Rosa Pelissaro*




1 Do sertão ao cerrado: uma introdução

O processo de apropriação das terras na Serra do Cabral, ao norte do estado de Minas Gerais, como em grande parte do Brasil, se deu à base da grilagem, legitimado a partir de 1850 com o aval do Estado, que marcharia endossando a falsificação da posse da terra pós-centralização, doravante 1930. A ode à grilagem, escrita por Monteiro Lobato em 1922, referindo-se à expansão dos cafezais em São Paulo, expõe bem o desejo dos dominantes que personificam capital e poder para seguirem com o projeto de territorialização do valor.

No entanto a arte do grilo seria, para a perspectiva deste estudo, tirar o direito pela expropriação em nome da onda verde a ser implantada mais adiante: a do eucalipto, que abriria caminho para que o Estado conduzisse ao que chama de civilização aqueles que aos seus olhos resistiam a ela, na promessa da mobilidade do trabalho e da fartura econômica. Do sertão ao cerrado, reforça-se o discurso da técnica e do planejamento para cobrir de um verde exótico as chapadas e veredas que forneceriam o carvão àquilo que os militares consideram progresso, ou seja, as siderúrgicas mineiras.

No livro Onda verde, de 1922, Monteiro Lobato dedica dois capítulos ao eucalipto, tecendo elogios e esperanças de modernização e independência econômica nacional a partir do "páo exótico". Observando os eucaliptos do Serviço Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Rio Claro, o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo se juntava aos entusiastas da silvicultura que despontava, no raiar do século, como parte do projeto de industrialização tardia brasileira, provando que os discursos encontrados na década de 1970 e nos anos 2000, apresentados no decorrer da tese, não surgiram de repente.

Mesmo ciente da consequência ambiental, Lobato (1922, p. 90-91) insiste na silvicultura como "a solução nacional do problema do combustivel para nossas vias ferreas", já defendendo, no alvorecer do século, os pesticidas à base de sulfuretos contra as formigas, apontadas, junto à figura do Jeca Tatu, como um dos grandes males do país. Torna-se notório que a posterior teoria do desenvolvimentismo, calcada na aceleração da modernização com um horizonte de independência nacional, encontrou suas bases a partir da centralização do Estado, ocorrida poucos anos depois desse texto, urdido por intelectuais que também personificavam a economia naquela passagem. Grilar terras e cultivar o que se convinha/convém chamar de útil eram/são ações amalgamadas.

Sendo o território um resultado da apropriação do espaço pelo capital, ele não pode ser compreendido como um dado natural. Sobre a teoria moderna da colonização, Marx já apontava para a necessidade de enxergar a expansão capitalista como manifestação de uma relação social calcada na violência da submissão aos desígnios econômicos, os quais também movimentam para a formação do Estado moderno e seus desdobramentos no processo de autonomização das categorias de mediação social – terra, trabalho e capital.

A partir de 1930, novas configurações econômicas impeliram a novas relações entre os fatores de produção e o Estado, antes pulverizado no poder do mandonismo local. Este transformou-se em poder centralizado com tentáculos institucionais que organizariam as formas de produção de valor. A partir desse momento, a região, herança das particularidades que a territorialização colonial deu forma, aparece aos olhos dos burocratas desprovida de historicidade e como impasse à homogeneização econômica, cabendo ao Estado assumir o papel da totalização via planejamento, numa tentativa forçada de alcançar as grandes potências.

Na Serra do Cabral, tais movimentos, oriundos da mudança, foram, perceptíveis décadas mais tarde, expostos na paisagem, nas relações e na mobilidade do trabalho, que, a partir de então, aparece como projeto e consequência das transformações ali impostas – apesar de já existente desde a territorialização colonial.

2 O Estado Novo e o embrião do novo Estado: a região aparecendo

O processo de territorialização da Serra do Cabral se deu pelas relações capitalistas integradas ao sentido da colonização. Como resultado, aparece a região pecuária e diamantífera como herança da territorialização, da colônia ao Império. Os dois reinados viram a relativa decadência da mineração em todo o Norte de Minas Gerais, apesar de homens livres pobres continuarem penetrando as grotas da Serra, vindos de lugares diversos e movidos por um só motivo: a sobrevivência condicionada pelo fetiche da mercadoria, característica definidora daquela sociedade.

Sendo a região um produto histórico forjado na relação com o mercado internacional, ao mesmo tempo em que se constitui mantendo ou criando formas de geração do valor bastante diferenciadas (OLIVEIRA, 1988), a Serra do Cabral se formou ligada ao comércio interno pela criação bovina, indiretamente vinculada aos mercados internacionais, enquanto se aproximava do exterior pela mineração de diamante, possível de se realizar apenas com o abastecimento das fazendas pecuárias. Direta e indiretamente, a produção de artigos para o mercado externo se conformava como a lei de reprodução social no nível mais geral que, consequentemente, criava formas de produção do valor bastante distintas, o que confere a particularidade de cada região.

A pecuária se sedimentou nas terras do norte mineiro, consolidando o poder dos coronéis. O ocaso do garimpo delineou a Serra como produtora de carne, couro e derivados ao longo do século XX, tornando-a um espaço socioeconômico onde a forma então vitoriosa do capital – o boi – se impôs às demais, homogeneizando-a como uma região pela predominância da atividade pecuária e pelas relações de classe, em que a hierarquia e o poder dos latifundiários eram determinados pelo lugar e pela forma em que eram personas do capital e de sua contradição básica (OLIVEIRA, 1988).

Toda região tem uma base territorial, e por isso nenhum dos dois conceitos (região e território) pode ser encarado como naturalizado. Entende-se a região a partir do proposto por Francisco de Oliveira (1988), para quem ela se fundamenta na especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de acumulação assume, na estrutura de classes peculiar a essas formas e, portanto, também nas formas da luta de classes e do conflito social em escala mais geral. Nela, o político e o econômico se fusionam, amalgamando interesses de grupos específicos na reprodução do capital.

Enquanto produto histórico, a região sucede à territorialização. Esta última já era a modernidade se desdobrando, iniciada no momento colonial. Os atributos fisiográficos específicos de cada porção do espaço apropriado conferem formas próprias de organização da produção, criando relações sociais particulares. Nessas relações restritas é que a região se torna evidente, nitidez captada nos discursos e projetos ao longo do século XX, que a despiram de sua historicidade para justificar intervenções.

Desistoricizar a região seria, portanto, retirar dela a bagagem social que a conformou, tornando-a empecilho ao movimento geral do capital e um vazio passível de intervenção. Sua particularidade passa a ser interpretada como disparidade, decorrente do relativo isolamento e do atraso, e não como consequência da própria modernização ou da posição da forma social de mediação na reprodução do capital. Tal ótica abriu caminho para que o Estado, diante do ímpeto centralizador e consolidador do seu território, buscasse, por meio do planejamento, a correção das desproporções, na tentativa de homogeneização das regiões consideradas problema, conferindo-lhes novas funções.

Essa corrida, com o fim de alcançar as grandes potências, apresentada por Robert Kurz (1994) como modernização retardatária, não contém na sua base a liberdade do Estado em se modernizar, mas a sua inserção no decurso do capitalismo a um sistema mundial, o que torna a história geral uma totalidade concreta e contraditória e transforma de maneira qualitativa as condições do desenvolvimento econômico e social. Nesse transcurso, estágios sociais diferentes daqueles das grandes potências ocidentais são considerados atrasados pela ótica do capital e de sua reprodução ampliada e territorializante, que, apesar das diferenças, se articulam no processo de totalização. Essa é a base da teoria do desenvolvimento desigual e combinado, desenvolvida por Trotsky para explicar o tipo de dominação que o capital exerce nas formações sociais em que subsistem relações pré-capitalistas e se impõe a lógica das contradições econômicas e sociais do capitalismo periférico por meio do domínio imperialista.

Lançados pelo imperialismo, os Estados periféricos anulam sua historicidade, fincada nos processos violentos de abrangência do mundo da mercadoria, e buscam se inserir nos mercados internacionais, cada vez mais dinâmicos na produção e na troca. Constrangidos pelo sentimento de retardo por estarem a reboque dos países avançados, essas sociedades, na compreensão de que o desenvolvimento econômico se dá em etapas, saltam suas fases intermediárias rumo aos estágios mais avançados da produção, invocando a violência na sua execução qual um rolo compressor. Assim, realizam os programas de modernização na ilusão de alcançar o futuro, sem consegui-lo, pois as particularidades locais e regionais possuem limitações cuja coação à assimilação deflagra o caráter contraditório e retardatário do desenvolvimento.

Além da impossibilidade de tocar o futuro, é difícil definir o que é arcaico e o que é moderno no capitalismo, pois o capital nem sempre se apresenta da mesma forma. Se a produção de artigos para o mercado externo foi a regra de reprodução social no nível mais amplo que resultou na particularidade de cada região, dentro de um pensamento preso à moderna relação do valor, a teoria do desenvolvimento desigual e combinado parte de opostos binários. Isso significa que a própria teoria não escapa ao dualismo, como alertou Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997): ao apontar a conciliação de dois princípios reguladores da atividade econômica que são essencialmente opostos – produção direta de meios de vida e produção de mercadorias –, a economia colonial não pode ser representada como dualidade integrada, mas como unidade contraditória.

Sendo o dualismo uma composição de opostos, Robert Kurz (2010) aponta que a polaridade é não só imanente ao sistema produtor de mercadorias, mas responsável por seu movimento, impulsionando as sociedades taxadas de periféricas à corrida rumo à modernização, em um processo de aniquilação hostil entre seus opostos, enquanto contraditoriamente constituintes dos dois lados de uma mesma identidade.

Assim, a territorialização, enquanto processo histórico que envolve a expansão sobre novas áreas ou lhes confere a aparência de novas funções em nome de uma mesma intenção, é um processo de abrangência da modernização, que, por sua vez, enquadra-se na transição de uma forma concebida como estática para uma forma dinâmica de sociedade. Concordando com Robert Kurz, a modernização é, portanto, um processo de transformação permanente, que sempre volta a sacudir toda a estrutura de reprodução; é parte do processo de reprodução ampliada do capital.

Para ligar o Brasil ao movimento mundial de modernização, é interessante observar o imperialismo contemporâneo. Dialogando com os pensamentos voltados à resolução das crises nas metrópoles europeias dos Oitocentos, David Harvey permite pensar esse processo de expansão do capital no elo entre sua reprodução ampliada, imperialismo e resolução dos problemas da superacumulação nos países cernes dessa dinâmica. Para tal, ele parte da teoria moderna da colonização de Marx em comparação às preocupações de Hegel e Von Thünen sobre a harmonia econômica de suas sociedades.

Para o geógrafo, o capital tem um impulso para criar o mercado mundial, para produzir novas necessidades e novos tipos de produtos, "para implantar novos recursos produtivos em novas regiões". O autor explica que o capital excedente pode ser emprestado para um país estrangeiro, criando novos recursos produtivos em novas regiões. As altas taxas de lucro prometidas oportunizam um incentivo "natural" para tal fluxo e, se atingidas, aumentam a taxa média de lucro no sistema como um todo. "Temporariamente" as crises ficam resolvidas, pois os lucros maiores significam crescimento na massa de capital que busca aplicação rentável, com consequente tendência à intensificação da superacumulação em uma escala geográfica expansível (HARVEY, 2006, p. 117).

O ajuste espacial – expressão que o autor dá a esses movimentos de expansão do capital a fim de resolver as crises dos países de origem – não pode acontecer sem expropriar as populações anteriormente assentadas nos espaços visados, criando os excedentes de força de trabalho. Ele aponta para a necessidade de uma relação orgânica entre reprodução expandida e processos violentos de espoliação1, conexão com uma dinâmica histórica que envolve a associação entre a constitucionalidade burguesa e a formação do Estado, as quais permitiram a criação de duas formas de ajuste para a questão da sobreacumulação, ambas dialeticamente relacionadas: temporal e espacial.

A forma temporal se pautaria em um processo de desvalorização geral, tendo os juros como cerne de sua regulação. A forma espacial seria a expansão geográfica, onde incidiriam outros processos de acumulação por espoliação, relacionados às despossessões de terras e recursos, e a imposição do trabalho assalariado. Desse modo, a acumulação por espoliação libera ativos a custo muito baixo, abocanhados pelo capital superacumulado que lhes confere imediatamente um uso lucrativo. Sobre esses ativos incide o interesse de produção e circulação de mercadorias, cujos meios de fazê-las se dá com empréstimos disponíveis, movimentando o capital subreacumulado, que se valoriza (KLUCK, 2019).

Esse ajuste seria para Harvey uma forma provisória de resolução das crises econômicas, pois nas regiões que recebem os empréstimos a superacumulação de capital também tenderia a acontecer, reproduzindo o movimento de ajuste e arrastando consigo as regiões antigas. Tal imperativo seria produto da real geografia histórica do capitalismo, que, enquanto relação social, contém a marca da contradição. O ajuste espacial se tornaria um recurso constante às crises do capital, cuja saída estaria na intensa racionalização da transformação e expansão geográfica, no sentido de absorver sociedades ainda não agregadas à lógica da mercadoria.

Para o caso do Brasil, o ajuste espacial provindo de fora traz consigo o discurso da modernização, desconsiderando as formas particulares de inserção social no mundo da mercadoria. O Estado, alicerçado na academia, é quem toma para si o planejamento como maneira de modernizar o território nacional idealizado na homogeneidade. O planejamento é, assim, uma ação de ajuste espacial atendendo às exigências de expansão do capital fictício, tanto do Centro-Sul do país quanto dos centros econômicos mundiais.

Modernização e territorialização são, no caso particular do país, duas ações de apropriação espacial que pressupõem o subdesenvolvimento como condição a ser superada, com discurso carregado de dualismos. Cada transformação das relações do capital requer novas maneiras de organizar os espaços para que eles deem conta de suas demandas. Tanto o subdesenvolvimento quanto o dualismo são conceitos apresentados como mera oposição formal que oculta um processo real, mas em que há uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários em que o "moderno" cresce e se alimenta da existência do "atrasado"; o capitalismo cria a ilusão do subdesenvolvimento como produção de sua expansão (OLIVEIRA, 2013, p. 32-33). Com isso, o discurso do subdesenvolvimento alimenta os planos de modernização, arraigando uma ação contraditória e impossível de homogeneizar os territórios do capital2.

No Brasil, tais demandas e discursos se encontram a partir do processo simultâneo de conformação e centralização do poder do Estado, iniciado em 1930, configurando a chamada autonomização (TOLEDO, 2008) e o processo de institucionalização de suas ações, tornando o planejamento uma de suas balizas. Para que o poder estatal desse conta de tal projeto, foi necessário uma mudança na sua forma de ser e de agir, o que significou impor transformações no poder local e sua reprodução, requalificando a região.

Se antes, no jogo contraditório da relação capital em territorialização e com seu poder reconhecido pelo Estado os coronéis monopolizavam o controle sobre a terra e o trabalho, a partir de 1930, com a extinção da Guarda Nacional, opera-se uma forma de o Estado se impor a esse poder local, que não era inadequado nem inútil enquanto foi eficiente na territorialização e na produção de bens.

Muitos desses poderosos foram agregados pela política modernizadora dentro da institucionalização das ações do Estado, de seu aparato e financiamento, centralizando a reprodução capitalista em decorrência da arrecadação de impostos e da capacidade de gerar endividamento, com empréstimos aos setores industrial e agropecuário. O estudo de Erick Kluck exemplifica, no caso do médio vale do São Francisco, as contradições do Estado em planejar a região para, mais tarde, a partir dos anos 1980, criar políticas territoriais pautadas nos territórios de identidade e na gestão de crise via crédito, enquanto abre o vale sanfranciscano para introduzir o capital privado via grandes projetos.

Pautando-se em Francisco de Oliveira, essas mudanças na forma de ser do Estado significaram transformações no poder local e em sua reprodução, requalificando a região como região planejada, imo da discussão sobre o caráter do atraso e da modernização, tratada como retardatária e marcada, entre outras coisas, pela mobilização do trabalho (GAUDEMAR, 1977) por meio do Estado e de iniciativas privadas, transformando fundamentalmente o sentido da reprodução ampliada, generalizando o mercado de terra e de trabalho, o que requereu diversos processos violentos (KLUCK, 2019).

No decurso de institucionalização de suas ações, o Estado recorreu ao aparato científico e técnico, bem como ao suporte jurídico, de forma a dar respaldo aos seus feitos. Não à toa, já se observa na virada do século XIX o movimento dos filhos dos coronéis à cidade ou a outros países para estudar e, depois, retornar ao domínio de seus progenitores como tecnocratas, autonomizando-se das condições de seus antepassados, comprometidos naquele momento com o fortalecimento e a centralização do poder estatal diante da crise da reprodução do poder local. O contato com os espaços urbanos, sobretudo com os países centrais, para o imperialismo da época, foi essencial para que retornassem com novas ideias, voltadas à administração, urbanização e difusão do trabalho complexo, além do forte sentimento de desconforto, já evocado em gerações anteriores pela interpretação dos intelectuais que pensaram a formação do Brasil.

Os excertos dos anuários estatísticos de Minas Gerais do começo do Novecentos apontam para a transformação que o capital operou na mentalidade de parte das personificações das classes dominantes: o sertanejo, em especial o que habita a Serra do Cabral, é visto como um sujeito doente, miserável e ignorante, passível de ser "produzido" e tornado útil pela educação técnica e libertação das amarras locais do patronato, algo só possível de realização ao se mobilizar trabalho e privatizar a terra.

Esse momento de ruptura, que já vinha sendo engendrado desde o segundo reinado, avançou com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder pela primeira vez. As bases políticas desses marcos (mobilização do trabalho, privatização das terras e interferência direta do Estado nas regiões via planejamento) são identificáveis na institucionalização das ações do Estado Novo, ligadas à administração pública, à segurança nacional, à produção de estatísticas socioeconômicas, à constituição do ensino secundário, técnico e superior, entre outras atitudes.

A insistência do Governo Federal na ideia de segurança nacional serviu para criar uma série de empresas estatais estratégicas que garantiriam nas décadas seguintes a ampliação do processo de industrialização. Para dar cabo a essa nova política econômica, era preciso criar mecanismos de controle do território, abarcando o conhecimento dos aspectos físicos da superfície e do subsolo, dos padrões espaciais da ocupação humana e econômica e de um ordenamento regional condizente com a escala territorial do Brasil, além do seu mapeamento sistemático.

Salienta-se que tais transformações criaram um discurso contendo dialeticamente uma origem na reprodução da totalidade concreta. Nesse momento, é criado em 1934 o Instituto Nacional de Estatística, embrião do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coordenado por Mário Augusto Teixeira de Freitas, secretário geral com experiência em informações territoriais acumulada com o cargo de Delegado Geral do Recenseamento de Minas Gerais nos anos 1920. Sob sua coordenação, o levantamento do território do estado foi o mais completo possível para o período – não à toa, esteve na chefia do instituto.

Teixeira de Freitas, junto a Juarez do Nascimento Fernandes Távora (militar experiente no interior brasileiro por ter sido tenente na Coluna Prestes) e Francisco Luís da Silva Campos (burocrata de visão modernizadora do ensino universitário e da saúde pública), articulou ao longo da década de 1930 para criar um sistema de planejamento centrado no gerenciamento de informações que alcançaria a instância municipal, o que expõe o tentáculo normatizado do Estado chegando diretamente aos poderes locais.

Roberto Schmidt de Almeida comenta que a década de 1930 foi de trabalho intenso para o trio. Foi nesse período que as noções de integração técnica entre Estatística, Geografia e Cartografia tomaram corpo, sobretudo em termos de preparação das equipes profissionais que iriam gerenciar a referida agência a partir daquele momento. Da Lei Geográfica, implementada em 1938 para dispor sobre o mapeamento das malhas municipais e distritais, até a Campanha Censitária de 1940, o conceito de regionalização se consolidou no instituto. Em 1941, o IBGE oficializou a macrorregionalização do território brasileiro, com a finalidade de homogeneizá-lo e coletar dados estatísticos com maior precisão para subsidiar o processo de planejamento nas décadas seguintes (ALMEIDA, 2012).

Dialogando com o IBGE, datam também dessa época os convênios internacionais para a organização e institucionalização de cursos universitários no Brasil, tais como a vinda de professores franceses para iniciar os cursos de Geografia em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como a de austríacos especialistas em Geodésia.

Assim como a cartografia imperial era encomendada a técnicos de maioria anglo-saxã, no século XX, a função do técnico estrangeiro não era apenas realizar um serviço pago pelo Estado para revelar os recursos do território, mas fundar as bases de um pensamento científico ilustrado favorável ao novo Estado e reprodutor das relações mediadas pela mercadoria, por meio da consolidação de instituições, como a universidade, que teriam como incumbência participar do projeto nacional. A esta, caberia, por um lado, desenvolver linhas de pensamento que refletissem sobre a formação do país e seu povo, e, por outro, adotar atitude pragmática sobre o corpo territorial que o abrigava.

Desse modo, a ciência se traveste com um discurso neutro, posicionando-se acima dos interesses particulares e em nome da governabilidade, tornando-se assim uma das armas do Estado para fenecer os poderes locais. No entanto, conforme David Harvey (1981) adverte, a ciência é naturalizada para atender aos interesses de quem a utiliza como ferramenta de poder, abstraindo sua condição de produto histórico imbuído de ideologias e funções.

Ao abordar, a exemplo de Malthus, Ricardo e Marx interpretavam a relação entre população e recursos no século XIX no contexto europeu, Harvey mostra como Marx criticava seus contemporâneos por não relacionarem o objeto de suas preocupações ao modo de produção que os utiliza ou os produz – atentando para a historicidade da relação e suas dinâmicas complexas serem jogadas de escanteio. Com isso, perdia-se a oportunidade de análise dos encadeamentos dentro da totalidade.

Na conexão sujeito-objeto, Harvey aponta que Marx defende o conhecimento como interno à sociedade e parte da totalidade, sendo a ciência também uma relação social concebida dentro de seu contexto histórico. Para o autor, "se se supõe que todos os métodos científicos são eticamente neutros, então os debates sobre metodologia raramente são importantes" (HARVEY, 1981, p. 22), um comportamento que vem de encontro aos interesses de quem advoga pela neutralidade científica em nome de uma população inteira, abstraindo a defesa de objetivos muito particulares.

Para Harvey, o materialismo dialético seria o método mais adequado de tratamento das complexas relações população-recursos, pois seria a única ou a mais acurada forma de entender que por trás do discurso de neutralidade científica sempre há uma pretensão ideológica. Portanto, ao se pensar a normatização do ensino superior, incluindo o curso de Geografia, em um quadro de realização do Estado Novo e seus projetos, torna-se possível analisar criticamente o discurso de neutralidade e superioridade científica, a qual porta consigo a posição iluminista de verdade incontestável como ferramenta de alteração das relações de poder pretéritas.

No moderno sistema produtor de mercadorias, diferentes áreas de conhecimento se desenvolvem numa direção comum. A inauguração dos cursos de Geografia em São Paulo e no Rio de Janeiro e a criação do IBGE, todos na mesma década, são parte de um mesmo plano do Governo Federal. O trânsito de docentes e pesquisadores entre as universidades e o Instituto elucida a produção de um discurso científico de suporte às ações estatais. Pedro Pinchas Geiger é um exemplo desse engajamento da universidade com as instituições modernizadoras estatais.

Considerado pelo próprio IBGE um dos principais pesquisadores da segunda geração do seu Conselho Nacional de Geografia, onde ingressou em 1942, ele teve uma trajetória de produção acadêmica. Nessa senda, pensava, entre outras preocupações, a regionalização, a qual julgava um campo que "vem interessando a estudiosos das ciências sociais e às camadas esclarecidas da população" (GEIGER, 1969, p. 5). Para ele, o planejamento deveria dedicar importância aos aspectos espaciais da economia e reconhecer na regionalização uma expressão do processo de desenvolvimento, cabendo à tecnologia o papel da totalização do espaço. Defendia que a Geografia tinha muito a contribuir para as formas e condições de regionalização, surgindo como disciplina diretamente integrada ao planejamento, que estaria incumbido de difundir um modelo de desenvolvimento embasado na industrialização e na difusão dos transportes e comunicações (GEIGER, 1969).

Para o geógrafo, o subdesenvolvimento era identificado pela ausência de determinadas estruturas regionais, cabendo ao planejamento dirigir a regionalização para as áreas menos evoluídas, definindo-a como o motor de homogeneização do país, de forma a integrar melhor o conjunto nacional. Pensando os processos econômicos brasileiros como fases, ao invés de contradições, e tendo escrito em fins dos anos 1960, Geiger se sintoniza à linha de pensamento desenvolvimentista, cuja perspectiva se insere na concepção evolucionista, a qual via a história como uma sucessão de etapas rigidamente pré-determinadas, cuja caminhada da sociedade, se conduzida linearmente e com respeito aos seus estágios, não levaria ao progresso3.

Com isso, o Estado passa a se valer não apenas da academia como suporte, mas também de teorias que endossem seu projeto de modernização retardatária. Tornando-se ferramentas de submissão, o saber e o conhecimento, determinados por um contexto histórico social, são condicionados por formas sociais fetichistas que implicam relações de coação e dominação, tornando-se ideologia. Para isso, o desenvolvimentismo se converte em uma teoria abraçada pelo horizonte político e econômico das camadas dirigentes do país4.

Analisando de forma elogiosa o pioneirismo de Minas Gerais no desenvolvimento brasileiro, Otávio Soares Dulci explica que "desenvolvimento, no terreno socioeconômico, é uma ideia referente à superação intencional de uma situação de atraso relativo", que envolve uma clara dimensão política, que se traduz em ações governamentais e também em articulações de classes e grupos diversos (sobretudo as elites políticas, econômicas e intelectuais) em torno da meta de superação do atraso. "Podemos chamar de desenvolvimentismo ao pensamento que focaliza esse processo numa perspectiva de projeto" (DULCI, 2005, p. 114).

Contribuindo para a coletânea de textos intitulada Minas e os fundamentos do Brasil moderno, organizada por Ângela de Castro Gomes, o autor termina sua participação enaltecedora da trajetória de João Pinheiro apontando para a concretização do projeto com os esforços de seu filho Israel Pinheiro, engenheiro que debutaria em sua carreira política como secretário dos Negócios da Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas de Minas Gerais em 1933, tendo depois participado ativamente no governo de Juscelino Kubitschek (JK).

Sob o encargo de Israel, o Plano de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, criado em 1935 e publicado dois anos depois, apresentava os dirigentes mineiros integrados à modernização que o Estado Novo adotava. Dentro de um quadro agravado pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial, o plano buscava diversificar as mercadorias e estava setorializado em produção vegetal, animal e mineral, com ênfase maior na agropecuária – a indústria ainda engatinhava no estado. No entanto, os projetos rodoviário, ferroviário e educacional não foram esquecidos: este último deveria se voltar para o ensino agrícola e industrial, diplomando técnicos e mobilizando o trabalhador também no nível do conhecimento útil. Nesse contexto, a Escola de Viçosa e a Escola Superior de Agricultura são transformadas em universidades-modelo e é criada a cidade industrial de Contagem, entre outros feitos.

Poucos anos mais tarde, JK seria o governador de Minas Gerais (1951-1955). O desenvolvimentismo, o planejamento regional, a modernização retardatária e todas as contradições encontrariam suas oportunidades de discurso e ação, e, de forma ufanista ou crítica, vê-se em Minas Gerais uma das bases mais sólidas de criação das ideologias desenvolvimentistas e dos projetos de autonomização do Estado.

3 O desafino do "presidente bossa nova" ao tocar a região

O Estado Novo preparou as bases para que o planejamento regional se assentasse como projeto de governo modernizador. Do ponto de vista ideológico, o desenvolvimentismo, elaborado já na década de 1930, seria o respaldo teórico de convencimento de que o país precisava se modernizar e que o Estado teria o papel de condutor da burguesia nacional – esta, dada por alguns como já formada, enquanto para outros, mesmo à esquerda, como Francisco de Oliveira, ainda não, o que era preciso ser feito rumo ao progresso.

A década de 1950 se apresenta como um momento em que, passado o autoritarismo e o centralismo do Estado Novo como ferramenta de imposição do projeto de modernização retardatária, o discurso democrático tornaria palatável o desenvolvimentismo como agenda nacional, cabendo aos técnicos, já tomando seus assentos na gestão, pensar e planejar o país rumo à maior produção de mais valor.

Nesse contexto, foi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) em 1955, como órgão do Ministério da Educação e Cultura. O grupo de intelectuais envolvidos tinha como objetivo o estudo, o ensino e a divulgação das Ciências Sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e compreensão crítica da realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. A preocupação do instituto girava em torno da discussão dos problemas brasileiros correlacionados às problemáticas universais, apesar de ser abertamente nacionalista. Do ponto de vista da geografia, é importante considerar esse tipo de ação porque ele revela como os poderes político e econômico e os intelectuais estavam olhando para o território nacional e o que consideravam disparidades regionais. Ao adotar esse método comparativo, antevê-se a base dualista dos discursos de planificação nacional.

Para Hélio Jaguaribe, uma das lideranças do ISEB, o desafio era como alcançar um projeto que conservasse o máximo de sua intenção nacional e social, mas que, ao mesmo tempo, fosse compatível com a realidade do país, das forças dominantes e, enfim, das condições que prevaleciam na década de 1950. Para ele, a solução mais viável naquele momento era "um projeto nacional-desenvolvimentista, que atribuía à burguesia nacional uma grande importância na mobilização de um esforço de desenvolvimento industrial encaminhado para um projeto nacional" (JAGUARIBE, 2005, p. 255).

Para seus intelectuais basilares, entre eles Nelson Werneck Sodré e Ignácio Rangel, o Brasil só poderia ultrapassar a fase de subdesenvolvimento pela intensificação da industrialização e com a substituição das antigas elites dirigentes do país. Apesar de reunir membros com diferentes pontos de vista, adotavam o método histórico de conhecimento, partilhando, segundo Luiz Carlos Bresser-Pereira – membro paulista e júnior entre os anos 1950 e 1960 –, de uma perspectiva de esquerda moderada e eram, sem exceção, nacionalistas, preocupados com a industrialização e com o que consideravam a Revolução Nacional Brasileira. Acreditando na existência de uma burguesia nacional, a leitura que fizeram de Marx e de sua revolução burguesa permitiu ao ISEB interpretar que esta se daria em duas fases: a do mercantilismo e a do capitalismo industrial, sendo que apenas a última conduziria efetivamente ao desenvolvimento.

Alinhados ao pensamento da Comissão Econômica Para a América Latina (Cepal), seus integrantes acreditavam que o desenvolvimento que emergiria da revolução capitalista seria "sustentado" porque, a partir de então, a acumulação de capital e o progresso técnico se tornariam condição de sobrevivência das empresas. Ao contrário do que acontecia no capitalismo mercantil, a empresa que não continuasse a investir na modernização de seu sistema de produção e de seus produtos e serviços pereceria. A partir desse raciocínio, era razoável que o ISEB e a CEPAL supusessem que o desenvolvimento se tornaria praticamente automático depois da industrialização (BRESSER-PEREIRA, 2004).

Apresentado nesses termos por Bresser-Pereira, o desenvolvimento aparece como revolução capitalista, estratégia e superação do dualismo. Em sua definição, ele é um processo de acumulação de capital e de incorporação de progresso técnico por meio do qual a renda por habitante e o padrão de vida da população aumentariam de forma sustentada. O ISEB e a CEPAL viam na industrialização o desenvolvimento, "mas, mais do que isto, era o processo mediante o qual o país realizava sua revolução capitalista" (BRESSER-PEREIRA, 2004, p. 55), viável apenas com a formação de um Estado-nação moderno, que definiria e regularia o mercado.

Ou seja, o mercado e o Estado, o dinheiro e o poder, a economia e a política, o capitalismo e o socialismo não são, na verdade, alternativas, mas constituem os dois polos de um mesmo "campo" histórico da modernidade (KURZ, 1994). O desenvolvimentismo escancara o paradoxo do Estado como base para o desenvolvimento do capitalismo, bem como a sua captura pelo mercado.

Não só intelectuais brasileiros teceram suas ideias desenvolvimentistas sobre o país. Na mesma esteira estava Jacques Lambert, chegado ao Brasil em 1939 para integrar a missão de professores franceses que vieram inaugurar a Faculdade Nacional de Filosofia. Inebriado pelas previsões ufanistas que a industrialização e o desenvolvimentismo faziam do Brasil, via nos Estados Unidos, o grande centro capitalista da Guerra Fria, o modelo maior de progresso. No seu panorama sobre a América do Sul, o Brasil era o país com as melhores condições para se tornar uma grande potência, caso seguisse "o progresso econômico e social que tomou conta do Estado de São Paulo" (LAMBERT, 1972, p. 33).

Provido de suas ideologias, em 1956 lança Os dois Brasis, com a colaboração de intelectuais de primeiro plano pela expertise e pelo convívio, como Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Roberto Moreira, Jaime Abreu, Aparecida Joly Gouveia, Alceu Amoroso Lima, L. A. Costa Pinto e José Honório Rodrigues. O título já anuncia a sua concepção teórica de país: a formação de duas sociedades num mesmo território, representadas por um Brasil velho e um Brasil novo, separados pelo peso de séculos de distância.

Lambert (1972, p. 103-104) não apenas diferenciava esses dois Brasis pela economia e estrutura social, como também delimitava geograficamente essas duas unidades, entendendo o "desenvolvimento das civilizações" corrente em âmbitos regionais, cujo motor da evolução se localizava nas cidades e deveria seguir para o campo. Enquanto para ele o Brasil novo e próspero se caracterizava pela indústria e pela urbanização – na cidade de São Paulo, a cada hora termina-se um prédio –, o Brasil velho e arcaico, onde os bois devoram os homens, é representado pela sua ignorância, a sua desnutrição, a sua falta de saúde, miserável e imóvel, e pela fazenda do interior, cujos homens do campo trabalham de enxada e transportam uma colheita insignificante em carroças rangentes que precisam ser puxadas por três ou quatro juntas de bois. Como se não bastasse delimitar as duas realidades entre o Sul e o Nordeste, o autor a fez no âmbito internacional, entre Estados Unidos e Índia (LAMBERT, 1972).

Os quadros do ISEB estariam, até certo ponto, afinados às ideias estrangeiras de desenvolvimento econômico, não idealizando os entraves ao desenvolvimentismo apenas a partir da teoria dualista, mas – o que é mais evidente em intelectuais técnicos como Pedro Geiger – concebendo o progresso a partir de etapas, conforme propôs Walt Whitman Rostow (1978) em livro publicado na mesma década.

Professor de História Econômica do Massachussetts Institute of Technology (MIT), portanto um intelectual estadunidense, e autor do livro Etapas do desenvolvimento econômico, Rostow (1978) defende que é possível enquadrar todas as sociedades, em suas dimensões econômicas, em uma das cinco categorias seguintes: a sociedade tradicional, as precondições para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade e a era do consumo em massa. Analisar-se-á brevemente a sua proposta para rastrear como o ISEB e o desenvolvimentismo concebiam o projeto de Brasil.

Para que uma sociedade alcance a fase de pré-condições para o arranco, é necessário um Estado nacional centralizado e eficaz, "baseado em coligações matizadas pelo novo nacionalismo, em oposição aos tradicionais interesses regionais agrários, à potência colonialista ou ambos" (ROSTOW, 1978, p. 19) – o que Vargas teria iniciado com o processo de centralização, mas, dada a particularidade local, sem romper com os poderes locais de base agrária.

A etapa seguinte, a do arranco, é o intervalo em que as antigas obstruções e resistências ao desenvolvimento regular são afinal superadas, sendo a tecnologia o grande incentivo do arranco. O desafio brasileiro seria alcançar essa etapa. Com ela, a indústria cresce e há expansão das áreas urbanas, do setor moderno e da classe empresarial, e "a economia explora recursos naturais e métodos de produção até então inaproveitados" (ROSTOW, 1978, p. 21).

Ao enfatizar a introdução da tecnologia na indústria e no campo e a expansão urbana, o historiador desconsidera o investimento industrial em capital constante, a concentração fundiária e a consequente mobilização do trabalho, inclusive na sua modalidade espacial, ocasionada pelo êxodo rural. Para ele, é preciso que as grandes empresas nacionais detenham as rédeas do desenvolvimento de suas sociedades para que as etapas seguintes sejam alcançadas e a sociedade conquiste o Estado de Bem Estar. Ainda arrisca dar um prazo genérico de 60 anos para as sociedades que atingirem a fase do arranco cheguem à maturidade, de forma que do arranco em diante o desenvolvimento se manteria num ritmo constante, sem levar em conta as contradições e os conflitos sociais oriundos de uma realidade em que a forma de mediação social é o problema maior.

Não se poderia esperar uma preocupação de base social de Rostow, cujo subtítulo do livro é "Um manifesto não-comunista". Escrito durante a Guerra Fria, o distanciamento de qualquer menção ao socialismo em sua obra estava na mesma esteira das preocupações de Hélio Jaguaribe (2005, p. 255), que, via discussões do ISEB, buscava superar o dilema positivismo-marxismo e "passar daquele modelo socialista-nacionalista para um projeto que conservasse o máximo de sua intenção nacional e social". Ambos integrantes da intelligentsia no contexto histórico bipolar em seus respectivos países, reproduziam muito bem um discurso da ciência neutra e acima dos interesses ideológicos, como se ela não fosse um produto histórico influenciado pelos momentos e pela qual é desenvolvida.

Em 1959, em nome do projeto de "país do futuro", começaram as ações da instituição que viria a ser o marco do planejamento regional no Brasil: a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Traçando os caminhos que levaram à criação do órgão, Erick Kluck apresenta como documento base de sua criação a Meta 31 de combate à seca – denominada "A operação Nordeste" e pertencente ao Plano de Metas de 1956, do governo do então presidente JK – junto com "Uma política de desenvolvimento para o Nordeste" – relatório do diagnóstico do Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) criado em 1957, no qual constava o levantamento das causas das disparidades de crescimento entre as regiões. Em sua apresentação oficial, em fevereiro de 1959, o presidente da República criou o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENO) para articular as primeiras ações, enquanto a lei de criação da superintendência era concluída. Para coordenar esse conselho, e mais tarde a coordenação da Sudene, indicou Celso Furtado (KLUCK, 2019, p. 210).

Nesse ínterim, em 1959, a Sudene foi criada. Tida como o primeiro grande projeto nacional de planejamento regional, a autarquia revela o planejamento como a presença de um Estado capturado pelas formas mais adiantadas da reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização do território brasileiro. De acordo com Francisco de Oliveira (1988), a Sudene trouxe no seu programa a marca da intervenção planejada, visando a superar o conflito de classes intrarregional e expandir para o Nordeste o capitalismo do Sudeste por meio do poder de coerção do Estado.

À frente da superintendência, Celso Furtado via as desigualdades regionais como consequência do "desenvolvimento espontâneo" do capitalismo, fundamentado no processo histórico de formação do país. As regiões seriam fruto de sistemas econômicos isolados, de contornos visíveis desde o século XIX. De acordo com Francisco de Oliveira, até então, certas classes dominantes – os coronéis personificados na terra e no capital – "fechavam" a região, reproduzindo as relações de classe que lhes convinham e, juntamente, a relação social de dominação e de produção, obstaculizando e bloqueando a penetração de formas diferenciadas de geração do valor e de novas relações de produção. O objetivo do planejamento de governo era "abrir" as regiões resistentes a novas formas produtivas, sob o guarda-chuva do desenvolvimentismo.

A regionalização tinha em seu horizonte a homogeneização do território nacional via planejamento para obras de conexão entre as áreas "díspares", ideia defendida pelos tecnocratas, como Pedro Geiger. Em texto de 1969, o geógrafo alega claramente que "o planejamento nacional vem dando maior ênfase ao ataque à permanência de violentos desníveis que separa as três grandes unidades", apontando como regiões problemas a Amazônia e o Nordeste. Ambas seriam regiões "fechadas", em que, através de política ditada pelo poder federal, "canalizam-se recursos e favorecem-se estas chamadas macrorregiões, onde atuam SUDAM5 e SUDENE, com incentivos fiscais, objetivando a multiplicação e renovação de empreendimentos econômicos" (GEIGER, 1969, p. 17).

A "abertura" da região e a consequente "integração" nacional, no longo caminho até a dissolução completa das regiões, ocorre quando a relação social não pode mais ser reproduzida e, por essa impossibilidade, percola a perda da hegemonia das classes dominantes locais e sua substituição por outras, de caráter nacional e internacional (OLIVEIRA, 1988). Porém, uma parcela desses donos do poder local seria agregada pelas novas organizações do capital e desfrutaria de suas benesses, enquanto para as populações alvo do desenvolvimentismo os benefícios permaneceram como promessa.

Anos depois, ao fazer um balanço do que foram os esforços do ISEB e da política nacional-desenvolvimentista de sua geração, Jaguaribe (2005) admitiu ter se decepcionado com o desenvolvimentismo, que não passou de uma modernização conservadora. O intelectual desconfiou da perversidade e da incapacidade da modernização em incluir todos os sujeitos nos proveitos do que considerava progresso, mas não conseguiu entender que desenvolvimentismo, planejamento regional, ajuste espacial e modernização retardatária, se não são a mesma coisa, valem-se de discursos ilusórios e ações violentas, caminhando juntos rumo a uma mesma finalidade: a valorização do valor.

O desalento de Jaguaribe também seria produto do contexto histórico. Com o golpe militar de 1964, o ISEB foi extinto e seus membros cassados. Enquanto atuante, a sua interpretação dualista de Brasil promoveu em resposta debates acerca dos problemas do país, sendo a formação da Escola de Sociologia encabeçada por Florestan Fernandes, dez anos depois e com sede em São Paulo, uma objeção à discussão do desenvolvimentismo, um produto por excelência da universidade. Combatendo a proposta do ISEB de aliança de classes e de desenvolvimento nacional obstado pelo imperialismo, a escola paulista adotou uma perspectiva antidualista, cosmopolita e estruturalista, enfatizando o conflito de classes e a questão racial – contrariamente ao discurso do grupo carioca.

Os trabalhos de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, publicados na década de 1960, e de Francisco de Oliveira, lançados nos anos 1970, ao não se comprometerem com uma visão de nação e rejeitarem a ideia de aliança entre empresários e trabalhadores, confrontavam pelo viés esquerdista o discurso do ISEB. Após o golpe militar, a Escola de Sociologia teve na sua liderança transitória Caio Prado Júnior, que exorcismava a interpretação nacional-burguesa do Brasil propalada pelo grupo do Rio de Janeiro e pelo Partido Comunista. Enquanto a Escola resistiu aos anos de chumbo, o instituto foi desfeito.

A produção intelectual que pensava o Brasil, no período, e seus debates auxiliam no entendimento das maneiras de enxergar os projetos de país. Apesar de antagônicos, os intelectuais em questão foram contemporâneos, e mesmo as produções críticas ao dualismo não escaparam à composição de um marxismo nacionalista e, por vezes, até de burlar um suposto etapismo de horizonte industrial, conceituando uma "usurpação da mais-valia", captado em Francisco de Oliveira e em Caio Prado Júnior, por exemplo.

Esse resultado prático da modernização tardia e melancolicamente compreendido por Jaguaribe também pôde ser entrevisto na Serra do Cabral. Estando localizada no norte de Minas Gerais, foi abrangida pela integração norte mineira à Sudene, produto maior do planejamento de então e sua ideologia desenvolvimentista. Esse processo de abertura regional provocou o desgaste dos poderes locais, com suas personificações, sobretudo em fazendeiros de gado, construindo um discurso de regionalismo e defendendo um projeto de modernização de forma a garantir a perpetuação de seus interesses.

4 "A Serra que eu não conheço mais": o eucalipto

A segunda metade do século XX assistiu a um impasse do ponto de vista econômico motivado pelos rearranjos gerais de produção e acumulação. Até então, as condições regionais de territorialização do capital não possibilitavam a autonomização nem entre terra e trabalho, nem entre terra e capital, assim como impediam a autonomização dos rendimentos relativos a cada um dos fatores de produção, justamente em razão dos mesmos não terem ainda se cindido. Tais condições constituíram a fazenda tradicional como garantia permanente do investimento agrícola e criaram a base de um processo de mobilização do trabalho em que o trabalhador ainda estava forçado à realização do mais-produto.

Para que essas fazendas pudessem se integrar ao mercado na condição de terras apenas, seriam necessárias a sua separação tanto do trabalhador quanto do capital, a instauração de novas condições de territorialização e, com essas premissas, seria possível alterar a mobilização do trabalho para que a terra, sobretudo a sua propriedade, passasse a operar como fundamento da dupla liberdade do trabalhador, na conjunção de expropriado sujeitado a ter que ir e vir como momento da realização dessa nova situação.

Ao discutir a formação e a crise da reprodução do campesinato do Vale do Jequitinhonha, Ana Carolina Gonçalves Leite não apresenta o processo de expropriação da terra do lavrador e sua cessão pelo Estado às reflorestadoras a partir da década de 1960 como uma acumulação primitiva – lembrando que este momento já tinha se dado durante o período colonial como parte da mundialização do sistema produtor de mercadorias. O que passou a ocorrer na segunda metade do século XX no Vale do Jequitinhonha, na Serra do Cabral, no norte de Minas Gerais e em outras regiões, foi a autonomização do capital com a sua separação da terra e a formação do trabalhador livre, já emancipado dos processos forçados de mobilização (LEITE, 2015).

Seu curso foi longo e teve descompassos, dada a simultaneidade particular da territorialização do capital – seja em relação ao Brasil e ao mundo, seja intrafronteiras, no que toca às regiões, que se apresentavam como desiguais, ao invés de diversas. Esse quadro justificou os projetos de desenvolvimento homogeneizador das forças produtivas em escala nacional, transformando a terra de fonte de reprodução social a mero fator de produção capitalizado. É nesse interregno que o governo militar, sobretudo após o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) de 1974, orienta a prevalência do planejamento nacional sobre o regional, com vias a promover o desenvolvimento rural integrado em manutenção com outros setores econômicos. As mudanças não se deram apenas na forma de produção e acumulação, mas foram também cravadas nas vidas e nas paisagens sertanejas.

A tese de Ana Carolina Leite traz exemplos da transformação do Vale do Jequitinhonha no mesmo período, seja na apropriação das terras devolutas pelo Estado e pelo capital privado, seja pela mudança ocorrida no interior das fazendas. Além da introdução do reflorestamento, as fazendas locais, que antes eram estabelecimentos agropastoris, tendiam ao pastoreio extensivo puro e simples a partir dos anos de 1960. Por ser essa atividade mais lucrativa, todo o solo foi revertido ao plantio de capim, retendo-se, em média, apenas um ou dois vaqueiros para os cuidados do rebanho, que também passava a se compor de raças selecionadas (LEITE, 2015).

Em conformidade com o que foi comentado, o discurso científico abraçado pela República e adotado oficialmente pelo Estado Novo tinha como personificação o técnico, que deveria racionalizar o modo como o Estado territorializaria suas ações em nome do capital. Se, em princípio do Novecentos, o discurso do atraso estava atrelado à figura do sertanejo como sujeito febril e ignorante, a partir de 1930 a ele é adicionada a ideia de que sua forma subdesenvolvida de ocupação do espaço, muitas vezes nômade em vista da pobreza econômica, é ecologicamente predatória.

Tal sermão, como se pode desconfiar, não é neutro. De acordo com Múcio Tosta Gonçalves (2006), havia uma ligação entre a crítica à agricultura nômade e "destrutiva" e a política de titulação de terras, perpassada por uma apologia do progresso. Segundo o autor, em Minas Gerais as diversas formas de utilização de florestas para fins energéticos e de construção foram uma permanente fonte de pressão sobre os recursos florestais, chegando o estado a ter apenas 11% do seu território coberto por matas nativas já em fins da década de 1950. Apesar de se saber que o estilo adotado de crescimento industrial e demográfico urbano era o que pressionava as áreas ainda florestais, o ataque à agropecuária pobre foi a desculpa escolhida para explicar a deterioração e o esgotamento dos solos, criando um ótimo motivo para abrir a região em nome do desenvolvimentismo.

Erick Kluck mostra os passos dados pela Sudene no sentido de concretizar a modernização regional. Após o golpe de 1964, o planejamento estatal sob sua batuta sofreu transformações. Ao analisar o III Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste (1966-1968), o autor aponta que a autonomização entre as esferas econômica e social já estava anunciada no discurso do governo. A partir desse plano, o Estado reduziu as verbas e, via isenção de impostos, ampliou a participação de empresas privadas na autarquia. No discurso do plano seguinte (1969-1973), o "êxito" da Sudene é realçado. O contexto pós-AI-5 reforçava o momento de risco à "integridade nacional", com a defesa da industrialização como forma de modernizar o território como um todo.

Todavia, a industrialização permaneceu em áreas seletas, aconteceu em regiões estratégicas, como na criação da Zona Franca de Manaus, ou foi reforçada nas grandes capitais do Centro-Sul e do Nordeste. Onde a indústria não estava, era preciso intensificar a produtividade agrícola, de modo a oferecer matéria-prima para sustentar o seu avanço, casando os objetivos do desenvolvimentismo com os interesses da Revolução Verde.

Olhando genericamente para o rearranjo de produção e acumulação a partir da predominância do capital financeiro na década de 1970, a introdução de novas organizações e interesses com vistas a quebrar as alianças regionais permitem acompanhar as ações dos centros econômicos lançadas para as periferias. Os excedentes de capital e força de trabalho nos países centrais teriam como alternativa à desvalorização a sua alocação nos países periféricos onde pudessem criar nova capacidade produtiva valendo-se da promessa de colheita de lucro futura. O investimento se dá em longo prazo, enquanto a expansão contínua de uma economia capitalista regional inteiramente nova cria uma demanda corrente e crescente pelos excedentes de capital e força de trabalho na região natal.

Esse movimento, já identificado por David Harvey como busca por ajuste espacial, não escapa às antinomias da relação do valor. Segundo o autor, ele levaria a um consequente crescimento da região receptora dos investimentos, criando seus excedentes de capital e força de trabalho, mais e mais difíceis de serem absorvidos. Entrando em competição com o centro e desvalorizando a economia de origem – ou, como neste caso, submissa à imposição de formas dependentes de desenvolvimento ditadas pela região central –, a economia periférica permanece subserviente, porém também impelida a cuidar do seu próprio ajuste espacial (HARVEY, 2006).

Para o caso brasileiro, durante o regime militar, o governo receber os empréstimos do capital externo excedente para financiar o plano nacional desenvolvimentista – com seu consequente endividamento – e ter de lidar com a cisão dos fatores de produção, ao promover a espoliação dos trabalhadores, enquanto dava incentivo agrícola, configuram uma explicação possível para o panorama econômico e político sugerido pelo geógrafo.

A institucionalização do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi o primeiro instrumento utilizado pelo Estado no intuito de garantir a modernização do campo, em especial das regiões tidas como vazias e economicamente atrasadas ou estagnadas. A estratégia consistiu em promover a modernização agropecuária e, ao mesmo tempo, criar mecanismos via crédito subsidiado para transferir recursos públicos ao grande capital, sem que ocorressem maiores riscos. É desse quadro que nasce a aliança do capital industrial e financeiro com o Estado, que vai conduzir as transformações que ocorrerão no campo brasileiro a partir de então.

Como a produção primária era parte do planejamento, para Múcio Gonçalves a importância das alterações vislumbradas no movimento territorial das plantações em Minas Gerais se dava ao fato de parte do norte do estado se encontrar incluído na área da Sudene, o que estimulou o deslocamento dos plantios para essa região, instigando um movimento análogo ao dos reflorestadores, com os consumidores crescentemente dependentes do carvão vegetal e da lenha, particularmente as indústrias siderúrgica, metalúrgica, cimenteira e de calcinação, as quais direcionaram suas atividades de desmatamento e carvoejamento para o cerrado (GONÇALVES, 2006).

Junto à necessidade de produção primária para o fornecimento industrial estava o discurso da adequação do cerrado para o empreendimento silvicultor. A defesa da ideia de que o solo é ácido e em muitas partes arenoso, portanto impróprio para outros cultivos, bem como o clima de chuvas sazonais aliado às altas temperaturas e à presença de lençol freático e a vegetação feia e inútil endossaram a introdução do reflorestamento na Serra.

Como a modernização retardatária pós-1930 via o progresso como sinônimo de industrialização, encobriu-se o momento histórico basilar da acumulação primitiva como processo inicial de expropriação, entendendo-se a instalação da fábrica como o real momento de consolidação do capitalismo. Enxergar os posseiros na sua relação com veredas e chapadas como refratários à forma social moderna foi um meio de validar as ações planejadoras, o que, no decurso da autonomização do Estado e dos fatores de produção, estimulou a grilagem, o planejamento, entre outras formas que têm na contramão a expropriação daqueles que dependem dela. Por sua vez, a espoliação liberaria a força de trabalho a baixo custo para os planos regionais. No caso do norte de Minas Gerais, a apropriação da terra e de seus recursos naturais pelo capital privado só foi possível com o aval do Estado que, para tal, também deveria partilhar da mesma visão sobre terra, natureza, recursos e força de trabalho.

Com a política de incentivos fiscais e o alto custo das terras mais ao sul do estado, os aplicadores passaram a buscar terrenos de baixa valia para implantarem as suas florestas. Ou seja, a partir da consolidação da política de incentivos, o preço da propriedade passou a ser o principal determinante na escolha da localização dos plantios, uma vez que os resultados financeiros obtidos com a atividade se tornaram independentes do aproveitamento industrial dos maciços. A procura por terras baratas levou os investimentos à Serra.

Na Serra do Cabral, o reflorestamento chegou como laboratório ainda no governo militar, no fim dos anos 1970. Assim como em todo o norte mineiro, a intensificação das atividades de reflorestamento recebeu o apoio de órgãos governamentais empenhados, como a Ruralminas6, que viabilizou a penetração dessas empresas em terras consideradas devolutas, o que, por sua vez, alimentou a grilagem e a concentração fundiária.

A introdução de florestas homogêneas de Pinus e eucalipto na região fazia parte da estratégia desenvolvimentista do governo militar, com o uso de mecanismos, como o Fundo de Investimento Setorial (Fiset) – substituído pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) –, o Programa de Distritos Florestais7 e, no norte de Minas, também os incentivos financeiros da Sudene e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).

Esta última, uma autarquia criada em 1975, fruto do desdobramento da Companhia Vale do São Francisco (CVSF) e Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), com uma dinâmica pautada no autoritarismo do governo que a criou, personificou a atuação direta do Estado na ampliação e institucionalização do mercado de terras no vale do São Francisco. Por meio dela, o governo fazia concessão e arrendamento de terras devolutas a preços simbólicos, sobretudo nas áreas de chapada, sem grandes riscos financeiros e visando à produção de celulose e carvão para os mercados interno e externo, considerando a crescente demanda por carvão vegetal para o polo siderúrgico do estado. Os contratos de arrendamento tinham vigência média de 25 anos, correspondendo aproximadamente ao ciclo das espécies de eucalipto que permitem três cortes, um a cada sete anos. Com a isenção temporária do imposto territorial, fazendeiros também se interessaram pelo arrendamento de suas propriedades. As próprias autoridades públicas encarregadas do processo desenvolvimentista eram enfáticas na defesa desse modelo.

Como as áreas pretendidas pelas empresas de reflorestamento ultrapassavam o permitido, não só pela legislação de terras do Estado, como também pela Constituição Mineira, era obrigatória a prévia aprovação do Senado Federal na concessão das terras. Tal foi feito. Assim, nos anos 1970, a Assembleia Legislativa anuiu o arrendamento com direito à alienação de quase 1.500.000 ha no norte de Minas Gerais para 18 empresas, concretizando, com o aval do Estado, a expulsão de camponeses (DAYRELL, 1998).

Os incentivos à silvicultura contaram com a oferta de rede de serviços e infraestrutura para se concretizarem. No caso de Minas Gerais, o apoio de órgãos de extensão, fomento e fiscalização deram respaldo ao setor no estado, como a Assistência Técnica Rural (Emater), as mencionadas Sudene e Codevasf, os Bancos do Brasil e do Nordeste e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Assim, a procura por terras a baixo preço significou um movimento de valorização do capital por meio do aprisionamento de extensas parcelas contínuas de solos. O movimento de conquista dessas terras para extração de vegetação nativa e plantação de florestas homogêneas foi direcionado para as regiões onde elas podiam ser apropriadas mais facilmente, sem o recurso do mecanismo regulatório do mercado, o contrato de compra e venda. Isso significou também que a expansão da fronteira silvicultora foi responsável por eliminar as antigas estratégias de posse e de agregação da e na terra.

Múcio Gonçalves acrescenta que terra, propriedade e fazenda não significavam a mesma coisa e que suas aquisições não implicavam troca mediante dinheiro, mas apenas troca. A presença das plantações serviu como um catalisador e/ou detonador para os processos de expulsão e transformação dos direitos costumeiros, o que alterou radicalmente a feição social do rural em Minas Gerais, especialmente no norte do estado.

Conforme mostraram os trabalhos de campo realizados para a tese, apenas a partir desse período de chegada dos projetos desenvolvimentistas na Serra que as famílias agregadas começaram a articular as condições para sair do domínio das propriedades alheias, assentando-se nas periferias dos pequenos núcleos urbanos locais. Quando os fazendeiros não recorriam à violência para expulsar as famílias das terras, negociavam com elas o fornecimento de um lote ou uma casa simples para a sua transferência para a sede do município. O processo de formação de trabalho assalariado na Serra exigia, junto à especialização das produções, a expulsão do agregado da fazenda. Não apenas os agregados foram expulsos, mas também os posseiros. Conforme as reflorestadoras subiam as chapadas, ludibriavam famílias lá instaladas há gerações.

Longe de romantizar os posseiros, a maneira como essas famílias viviam na Serra não pode ser vista apenas como metabolismo entre homem e natureza. Elas ocuparam as veredas mais distantes dos povoados e as chapadas ainda sem dono porque sua condição de expropriadas das fazendas e imediações dos núcleos de povoamento as impeliu a tal. No entanto, a depender da riqueza material que a natureza lhes oferecia para sobreviver, de alguma maneira satisfizeram suas necessidades básicas, interpretadas pelas reflorestadoras como uma vida miserável, porque nela, presas à forma social, a mediação pelo dinheiro não determinava ainda as relações na sua totalidade.

Um giro pelos municípios hoje permite observar que as cidades cresceram espacialmente de 1980 em diante, comprovando a expropriação de agregados e posseiros nas últimas décadas. A expulsão os liberou para a busca de emprego, complementando a contradição da liberdade no sistema. Com a autonomização do fator trabalho, a mão de obra também passa a ser uma mercadoria. Por trás do processo, é abstraído o trabalho concreto, que passa a lidar com a violência institucionalizada do Estado, não mais personificada no jagunço do coronel, mas na força policial e no aparato jurídico.

Concordando com Margarida Moura (1988), a dissociação do corpo do trabalhador do lugar onde trabalha é a forma de separar do solo-mercadoria a presença física de quem o habita em função do trabalho. Ao criar o mercado de trabalho na Serra, completa-se a cisão entre este e a terra, liberando força de trabalho barata para o projeto de desenvolvimento nacional. "Procedimentos que ‘conquistaram a terra para a agricultura capitalista incorporaram o solo ao capital e entregaram à indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem eira nem beira’" (GAUDEMAR, 1977, p. 268).

Na percepção dos expropriados, uma mudança fundamental provocada na economia rural da região foi a geração de empregos assalariados com carteira assinada. Para muitos dos ouvidos em campo, ser fichado foi a melhor coisa que lhes poderia acontecer. As incongruências nas falas dos entrevistados permitem pensar sobre o quanto não notam que a liberdade das amarras de uma reprodução social os condenou à total submissão ao processo capitalista de socialização.

A intervenção estatal no desenvolvimento dos potenciais recursos para a produção incluía a implantação de infraestrutura, a formação de um mercado fundiário, a elevação do preço da terra e, evidentemente, a formação do trabalhador assalariado, tanto com a educação técnica quanto na sua "liberação" das relações tidas como arcaicas. Esse processo inclui o enfraquecimento do poder local, pois o Estado, ao penetrar a região, impõe suas normas de maneira a impulsionar a mobilidade do trabalho via sujeição dos homens e mulheres à territorialização planejada do capital. Ao institucionalizar suas ações, o Estado estabelece e qualifica a sua autonomização sob o capital, realizando um contraditório e crítico modo de reprodução da forma social (KLUCK, 2019).

Preparada a abertura da região, proprietários extrarregionais, considerados personificações do capital, imbuídos do crédito público e dispostos a modernizar aquele sertão, continuaram chegando à Serra. Os incentivos fiscais eram um forte atrativo naquela ocasião, porque permitiam que a atividade silvicultora remunerasse os empresários quando da execução dos plantios e não quando da sua venda, transformando o capital em renda territorial capitalizada. Empresas como a mineira Santa Maria Agrofloresta foram sucedidas pela carioca Serra do Cabral Agroindústria (Scai), também de olho no preço das terras e na mão de obra muito barata, além da proximidade dos centros siderúrgicos de Sete Lagoas, da ligação ferroviária, da construção rodoviária com centros consumidores e da topografia favorável à implantação de florestas homogêneas. Ela enxergava nas terras de chapada áreas vazias que deveriam ser ocupadas em nome da segurança nacional e do capital privado. Não por acaso, os complexos agroindustriais representavam uma transformação na forma de financiamento estatal de mercado, baseada no endividamento, colocando o capital fictício no centro da reprodução ampliada.

A Scai começou com o plantio de Pinus para o carvoejamento e, hoje, segue na função com eucalipto – apesar de o norte de Minas Gerais chegar em 1985 com a produção de mais de 25% do carvão no estado, a primeira tentativa não foi exitosa na Serra, sendo os Pinus, inicialmente plantados dentro de veredas, abandonados, dado que demoravam muito a virar carvão. O crédito foi reduzido nos anos 1990, mas voltou a ser disponibilizado nos anos 2000, tornando não apenas a Scai e a Santa Maria atuantes na Serra, mas abrindo para outras reflorestadoras, como o Grupo Plantar.

Prosseguindo com sua produção, de acordo com o relatório de licenciamento ambiental de 2007, a Scai se situa na fazenda Serra do Cabral, na zona rural dos municípios de Várzea da Palma, Francisco Dumont, Augusto de Lima e Lassance, com área total de 84.472 ha, sendo que o plantio de Pinus abrangia uma área de 27.326 ha e o de eucalipto cobria 400 ha, junto às benfeitorias arroladas, como estradas e depósitos.

Para aquele ano, o relatório informa que a grande maioria dos empregados contratados pela empresa era originária e residente dos municípios do entorno da Serra do Cabral. Na época do plantio, conforme registros da empresa e do Registro de Carteira Assinada (RCA), o número de empregados era superior a 500, tendo atingido um pico de 1.200 nos anos de 1982 e 1983. Até 2007, o relatório informa que o total de empregos diretos era da ordem de mil, já que se instalaram na região mais de 20 empresas para explorar produtos e subprodutos derivados do reflorestamento. São trabalhadores que são cada vez mais substituídos por máquinas e, quando empregados, submetidos a contratos de trabalho apenas durante o plantio e o corte da madeira, dispensados nos meses seguintes. O sertão, de território habitado, agoniza no embate que o transforma em cerrado, concebido como vão e vazio, pronto a receber os insumos da modernização.

5 Considerações finais

Dos anos de 1980 em diante, a paisagem da Serra mudou. Tanto nos núcleos urbanos quanto mata adentro, a transformação tem sido drástica. Muitos dos entrevistados que disseram conhecer a Serra como a palma da mão ressaltaram que hoje já não conseguiriam andar por ela, perderiam-se facilmente por entre as ruas estreitas de eucaliptos homogêneos – isso quando lhes é permitido circular por entre os plantios.

Nota-se que a metamorfose da paisagem e das formas de reprodução social são resultados de um projeto cujo cerne jaz claramente a partir de 1930, com a centralização do Estado e cisão dos fatores de produção, que, ao longo das décadas, atendem às demandas das mudanças no processo produtivo. Junte-se a esse movimento o apego dos tecnocratas ao viés esclarecido da história como tempo linear, homogêneo e vazio, ao invés do seu acontecimento dialético (BENJAMIN, 1994). O Estado, via planejamento, se torna ferramenta eficiente dos interesses do capital em realizar a mera valorização do valor, com trágicas consequências para o sertão e os sertanejos, interesses de segundo plano em toda a trajetória de territorialização do valor na Serra do Cabral.

Referências

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* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), sob a orientação do prof. Dr. Heinz Dieter Heidemann.

1 O autor parte da análise de Rosa Luxemburgo em A produção capitalista do espaço para compreender esse processo de desterritorialização de comunidades camponesas para que o capital se recupere de sua crise estrutural, transformando a terra em ativo e explorando a força de trabalho a baixo custo, o que Luxemburgo denomina imperialismo. Segundo Harvey (2006, p. 99), quando essa lógica territorial capitalista encontra entraves à sua expansão, entra em cena o Estado, responsável por aniquilá-las e promover a mobilidade do trabalho.

2 Apesar de não compor a intenção deste artigo, cabe salientar que o conceito subdesenvolvimento foi apropriado em meados do século XX para a construção de uma teoria que justificasse as transformações que se acreditavam necessárias à modernização do país.

3 "O desenvolvimento recente do país, desde a Segunda Guerra Mundial até o início da década de 60, calcado fundamentalmente na industrialização, é relacionado a um processo de substituição de importações. Agora, dizem economistas, trata-se de iniciar outra fase, onde a expansão econômica só poderá ter apoio numa ampliação de mercado. E mais, que uma excessiva concentração da distribuição da renda, deve ser superada, para que se efetive esta ampliação do mercado" (GEIGER, 1969, p. 17, grifo nosso).

4 Cabe lembrar que o desenvolvimentismo, enquanto teoria, abrange um amplo leque de interpretações que escapa à abrangência deste artigo. Ele também seria, na concepção de teóricos como Celso Furtado, a aceleração do progresso nas regiões consideradas atrasadas, tendo em vista que, para o economista, o subdesenvolvimento era uma condição estrutural do capitalismo, na coexistência com o desenvolvimento.

5 Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia.

6 Fundação Rural Mineira – Colonização e Desenvolvimento Agrário, órgão do governo de Minas Gerais responsável na época pelas terras do estado, criado em 1966 para representar o Estado na legitimação da propriedade, uso e reintegração de posse e discriminação de terras devolutas em Minas Gerais, conforme as determinações do Estatuto da Terra, promulgado quatro anos antes.

7 Criado pela Portaria n. 43/76 de 16/0276, com incentivos fiscais da Lei n. 5.106, de 02/09.66 e do Decreto Lei n. 1.376 de 12/12/74 (Ruralminas, Doc. II Resumo dos contratos sobre Distritos Florestais, Histórico, Leis e Decretos s/d). No documento, consta que são "áreas ecológicas, economicamente estabelecidas, para produção florestal com fins nobres, principalmente o industrial [...] tem como base as terras devolutas do Estado de Minas Gerais" (DAYRELL, 1998, p. 77).

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ISSN 2317-3254